CASA NOVA

Caros,

Desde o dia 1º de outubro, este blog encontra-se em novo endereço, pois migrou-se para o portal Superesportes, caderno eletrônico esportivo do Estado de Minas.
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Ósculos e amplexos.

MERITOCRACIA


Muito tem se falado ultimamente do investimento dos clubes nacionais em infraestrutura, marketing, administração e até na comissão técnica. Em segundo plano está o que realmente importa para o espetáculo, a qualidade dos jogadores formados e contratados para defender a história do nosso venerado futebol.

Algumas equipes parecem se preocupar mais com a rentabilidade de suas ações, de preferência small caps, as que consiliam pequenos investimentos com grandes retornos, do que em formar grandes escretes, desses que ficam na memória do torcedor. Mais vale algum garoto adquirido ainda nas categorias de base e repassado por alguns milhões pouco tempo depois de estrear no profissional do que contar com a experiência de um veterano atacante, capaz apenas de trazer resultados dentro das quatro linhas.

Uma anomalia, sem dúvida. De que adianta um lindo campo de treinamento, cercado de equipamentos de ponta, placas de publicidade altamente rentáveis, PhDs analisando cada passo dos atletas, se a sala de troféus estiver entregue às moscas? Torcida se fideliza com títulos, não com promoções para sócios. Ainda não vi em lugar algum do mundo aqueles agitadores profissionais irem buscar no aeroporto o novo diretor de marketing, como fazem com os grandes ídolos.

No entanto, para investir em estrelas, é necessário captar recursos primeiro, dirá o outro. Ora, existe maior atrativo para patrocinadores e para a TV do que colar a sua imagem em um clube vitorioso, capaz de arrastar seus milhões de seguidores para seus parceiros comerciais? O Flamengo ganha mais dinheiro vencendo o campeonato, conquistando novos torcedores, aumentando suas cotas de patrocínio e valorizando seus jogadores ou vendendo três imberbes garotos para a Ucrânia? O que é mais rentável a longo prazo? Para qualquer grande empresa, modelos com os quais nossos clubes querem ser comparados, a resposta parece óbvia.

Por isso é bom ver São Paulo e Internacional nas semis da Libertadores e Corinthians e Fluminense na ponta do Brasileiro. O futebol não é muito afeito à justiça e talvez esteja aí o seu diferencial: é o esporte que oferece mais oportunidades para os pequenos se igualarem aos titãs. Mas ver um time em que Dagoberto é substituído por Ricardo Oliveira enfrentar outro em que Taison dá lugar a Rafael Sobis é revigorante, nos dá a impressão de que os esforços de quem apostou no talento estão sendo recompensados. Assim como ler que Washington está chegando para ser reserva de Fred e assistir às belíssimas partidas de Roberto Carlos valoriza os líderes da tabela. Só espero que não seja tudo "ilusão passageira, que a brisa primeira levou" na roda viva do futebol.

TREINADOR?


Praticando o melhor futebol entre as seleções mundiais há quatro anos, a Espanha finalmente ergueu a taça dourada em 2010. Uma Copa na África, com direito a um Uruguai das cinzas para as semifinais, um sub-23 germânico no terceiro posto, um jogo épico com pênalti perdido no último minuto da prorrogação e um campeão inédito. Ufa! Dentro desse mês, digamos, informal, outra discussão se impõem: o Barcespanha precisa de técnico?

Como todos os analistas já se cansaram de dizer, sete jogadores do time titular da Espanha são do Barcelona (ok, Villa até agora só usou a camisa grená para uma sessão de fotos). O toque de bola é do Barcelona. A frieza é do Barcelona. A marcação pressão é do Barcelona. O curioso é que, somando os treinadores da Fúria e do Barça dos últimos cinco anos, temos quatro figuras distintas. O jogo é que continua o mesmo.

Frank Rijkaard foi o primeiro a obter sucesso com a geração de Xavi e Iniesta distribuída em campo ora num 4-2-3-1 ora num 4-3-3. Em 2006, Ronaldinho comandava o time campeão Espanhol e da Champions League, cercado por baixinhos habilidosos e de grande movimentação. Depois de alcançada a glória e um desgaste natural, Deco, Van Bronckhorst e até mesmo Ronaldinho e Rijkaard perderam prestígio e cederam o posto a figuras como Busquets, Henry, Ibrahimovic e Guardiola.

Enquanto Pep Guardiola aguardava ansioso a sua estreia em 2008, a Espanha batia a Alemanha por 1 a 0 e levava o título europeu, comandada por Aragonés. A base do time já era a de Casillas, Puyol, Sergio Ramos, Xabi Alonso, Xavi, Iniesta, Villa, Torres e alguns Marcos Sennas e Capdevilas aqui e ali. E o estilo de jogo também já encantava com suas trocas de passe intermináveis e a ocupação de espaço quase perfeita praticada. Aragonés, com a sensação de dever cumprido e, desconfio, achando que o time tinha dado o que tinha que dar, foi-se para a Turquia e Del Bosque tocou o barco com praticamente o mesmo time e a mesma frequência de vitórias e espetáculos.

Depois da Eurocopa, foi a vez de Guardiola mostrar que era capaz de não atrapalhar um time talentoso e vencedor. Nada de “agora temos que jogar com três volantes e nos contra-ataques, já que o time de Ronaldinho e cia. não rendeu na última temporada”. Dunga e Jorginho bem que poderiam ter passado por lá... Enfim, com praticamente o mesmo esquema de jogo, com algumas substituições naturais de jogadores, o Barcelona decolou novamente e voltou a passear sob o carro de bombeiros na Catalunha. Estranho? É bom ser mais explosivo, como Aragonés, ou centrado, como Del Bosque?

Parece claro que o melhor é saber que, sentado no banco de reservas ou esperneando à beira do gramado, quem resolve as partidas são os jogadores. Não se levar tão a sério faz bem, não só no esporte. Óbvio que um bom técnico ajuda, contribui muito para um time vencedor. Mas nem o mais reconhecido dos treinadores tem o direito de castrar uma equipe reconhecidamente vitoriosa para impor o seu estilo, seja ele de quartel ou de tia solteirona.

EQUILÍBRIO DISTANTE


Desde que a lendária Seleção de 82, ainda conhecida como um esquadrão de craques comandado pelo genial Telê Santana e vítima de uma das maiores injustiças do futebol, perdeu aquele maldito jogo para a Itália, a imprensa brasileira carrega consigo a ideia obsessiva de que, aconteça o que acontecer, o importante é jogar para frente. O Chile ataca com seis jogadores e possui uma defesa desprotegida? Não importa, Bielsa gosta do ataque. A quem diga até que ele teve o mérito de armar uma equipe que acreditava poder partir para cima do Brasil. Ledo engano!

Bielsa, que considero um grande treinador, contribuiu muito para que o Chile fosse massacrado pelo Brasil. Se tivesse tido a humildade de um Carlos Queiroz, esse sim criticado por jogar no contra-ataque com o limitado time português (apesar de ele ter empatado conosco e perdido pela diferença mínima para a Espanha, os dois times apontados anteriormente como favoritos para a Copa), talvez não tivesse sido escorraçado do Mundial. Em um confronto entre os pusilânimes portugueses e os intrépidos andinos, apostaria todo o meu dinheiro em Portugal. Se lançar sem escrúpulos à frente não pode ser irresponsabilidade disfarçada de bravura?

No entanto, não deixa de ser interessante ouvir muita gente boa, ao mesmo tempo em que defende o estilo chileno, dizer agora que a Holanda deve ser um adversário complicado justamente porque, em teoria, alcançou o seu equilíbrio, deixando de lado o espetáculo para ser competitiva. Tudo isso sem se esquecer de que as virtudes de nossos zagueiros, merecidamente, são cantadas em verso e prosa, pois nos defendemos tão bem quanto atacamos. Parece que se lançar sem lenço e sem documento para frente é bonito só no time dos outros. Até quando estamos torcendo indiretamente, como pela Alemanha contra a Argentina, temos a esperança de que um time leve e fogoso caia diante da consistência adversária, marcada pela compactação de seus jogadores e pela obediência tática.

Parando para pensar, esse deslumbre por jogar (viver) no limite não é realmente sem razão. Se resguardar-se e evitar decepções significa jornadas tensas e distantes da felicidade, um pequeno passo separa a morte do grau máximo de satisfação. No dia a dia, procuramos dosar esses dois estilos, aprendendo a conviver com os problemas e seguindo em frente com nossas afáveis lembranças, mas não precisamos exigir isso dos outros. Como expectadores, queremos mais é ver todo mundo morrer de rir!

LINCHADORES À ESPREITA



A França acaba de perder para a seleção mexicana e muitos comentaristas estão eufóricos. Com os olhos esbugalhados e espumando, agradecem a Deus por ter castigado Domenech e seus compatriotas, intrusos no Mundial. Não duvido que mesmo entre os franceses tenha algum Robespierre sedento por “justiça” e sangue. Tudo isso por causa da mão de Henry contra a Irlanda, jogada que provavelmente livrou a França de uma prorrogação indesejada na fase classificatória para a Copa.

Sempre desconfio desses momentos de condenação coletiva, em que se constroem cenários perfeitos para uma turba expiar seus pecados em praça pública e depois retornar para suas casas furando sinais, xingando idosos e passando incólume por faxineiras e porteiros. No caso francês, temos o agravante de que não se está em questão nem um assassinato escabroso nem um desvio de dinheiro milionário, e sim uma jogada com a mão em uma partida de futebol.

Os fatos contam pouco quando aderimos a uma posição formada. Muito provavelmente, a França teria se classificado mesmo com a famigerada falta devidamente assinalada. A partida iria para uma prorrogação de trinta minutos, em Paris. A probabilidade dos franceses conseguirem um gol era muito maior que a dos irlandeses. No entanto, é muito mais conveniente acreditar que a fraca Irlanda foi injustiçada em favor de uma potência europeia.

A indignação seletiva também me tira do sério. Henry, por ter levado a mão à bola, merece ficar no banco de reservas, tem que se dar por satisfeito por estar na África do Sul e pagar por sua falha imperdoável. E Luís Fabiano, famoso por brigas e cusparadas dentro de campo, deve ser deportado para o Brasil? Rooney, que pisou na “zona de sensibilidade” de um jogador português na Copa passada, pode ser tratado como astro do Mundial? Façam-me o favor!

É melhor sermos sinceros e dizermos que estamos com a França atravessada na garganta. Vai saber se Gourcuff não confirma a alcunha de Petit Zidane e nos manda para casa novamente! Prefiro Les Bleus assistindo à fase final da Copa em uma paradisíaca ilha francesa, mas não os renegarei porque não dão esmolas a deficientes ou porque não têm a sensibilidade de se sentar ao chão e chorar ao ouvir a Marselhesa.

PEQUENOS DETALHES


Depois de vitórias suadas e conquistas inesquecíveis, sempre escutamos a história contada pelos vencedores. E eles a contam com tamanha convicção que nos sentimos estúpidos por não termos enxergado obviedades que estavam diante do nosso nariz. O que parece de lado nessas situações talvez seja a maior das verdades: a presença do imponderável em nossas vidas, muitas vezes superior a racionalizações humanas e baratas.

Lembro-me bem de uma entrevista de Muricy Ramalho ao Bola da Vez, da ESPN Brasil, dias depois do São Paulo conquistar o tri brasileiro. O tricolor paulista venceu o Goiás por 1 a 0 e deixou o Grêmio com o vice-campeonato. Muricy destacou a análise que fez do time goiano, os trabalhos realizados pelo São Paulo durante a véspera do jogo, a presença da torcida paulista no estádio e concluiu: “Não tínhamos como perder aquele jogo.” Só se esqueceu de dizer que o São Paulo levou com um gol de Borges impedido. Assim como contou com a ajuda da arbitragem para bater o Flu uma semana antes.

Então Muricy não teve nenhum mérito? Claro que teve, mas não existe essa de “o trabalho era tão bom que não tínhamos como perder” no futebol. Recorro a outros dois exemplos internacionais para ratificar minha ideia. O merecidamente aclamado Barcelona, vencedor de tudo em 2009, poderia ter ficado “apenas” com os títulos nacionais, se não fosse a arbitragem desastrosa da semifinal da Champions contra o Chelsea. Assim como a Inter de Mourinho o beatificou depois de conseguir um 3 a 1 em Milão contra o próprio Barça, graças a um gol de impedimento e um pênalti não marcado para os espanhóis.

Esta semana o Marca traz perfis de Mourinho como se fossem do novo Papa, contando em detalhes sua infância, o início de sua carreira e a relação do português com sua mulher, Matilde. Toda essa euforia pode desmoronar com uma contusão inesperada de Cristiano Ronaldo ou com uma falta mal marcada. Por um escorregão do capitão do time na última cobrança da decisão por pênaltis, São José pode voltar a ser o retranqueiro carrancudo. Como diria Paulinho da Viola, a vida não é equação para ser resolvida.

REDENÇÃO




Hoje em dia, qualquer olhadela de um treinador para o céu faz o torcedor se indagar se o sujeito está mesmo conversando com o Homem, tamanha a importância que eles ganharam no futebol moderno. O time venceu, nó tático; perdeu, troca o comando. Assim como são facilmente endeusados, pagam por muito tempo por algum trabalho ruim. Nessa ciranda, não raro assistimos a voltas por cima como as de alguns treinadores neste ano.

Aqui no Patropi, Luxemburgo e Joel Santana se reencontraram com os títulos no primeiro semestre. O primeiro, também conhecido como “profexor”, parecia há tempos mais dedicado aos seus negócios do que ao futebol. Mas, verdade seja dita, o time do Atlético é outro com ele. Ricardinho e Júnior deixaram a fila do INSS e voltaram a jogar bem, Fabiano e Leandro aproveitaram a nova chance que receberam e o jogo ofensivo e vistoso do treinador começa a dar o ar de sua graça. Além de encarar com coragem o festejado Santos, Luxemburgo levou o Mineiro, competição já acostumada com os passeios do Cruzeiro.

A prancheta de Joel virou artigo de luxo no mercado depois de ressuscitar o Botafogo. O mesmo Joel que foi defenestrado do cargo de coach da África do Sul e que não conseguiu realizar o sonho de participar de uma Copa do Mundo. Ciente das deficiências do medíocre Botafogo, disse “yesse” ao desafio e, com largas doses de realismo, soube aproveitar as poucas qualidades da equipe: a bola aérea, a garra dos gringos e a obediência tática dos jogadores. Também campeão estadual, rejeitou um convite do Flamengo e mostrou que pode, sim, com seu jeitão bonachão, liderar equipes vencedoras.

Na Europa, Ancelotti, Mourinho, Van Gaal e McLaren são agora admirados, com os bons resultados, mas passaram por maus bocados. Ok, como Luxemburgo, Ancelotti e Mourinho sempre estiveram no grande escalão do esporte, mas dizer que eles estavam em alta é falta de memória. Implicavam com o “retranqueiro” Ancelotti no Milan como com o decepcionante Mourinho da Inter, que não fazia nada diferente do que Mancini, com muito mais dinheiro. Até o Chelsea mostrar sua ofensividade avassaladora e a Inter chegar a três decisões. Sofriam também o ultrapassado antibrasileiros Van Gaal (ora finalista da Champions, da Copa da Alemanha e campeão Alemão) e o sortudo incompetente McLaren, que comemora hoje o primeiro título holandês do Twente.

Não seria assim a vida também? Claro, acertamos algumas vezes no alvo, em outras passamos longe. Mas não nos candidatamos ao Olimpo quando estamos bem e, se a época não é das melhores, não precisamos nos refugiar em casa. Nos identificamos nos astros (hoje talvez os técnicos sejam os maiores no futebol) e, cientes ou não, nos divertimos com a vida cíclica de altos e baixos de egos inflados que se supõem acima de nossas risadas sarcásticas. Para não esquecer: é sempre saudável assistir aos grandes em forma; não seguramos nossas línguas quando nos achamos melhores do que eles, mas sabemos admirar seus feitos.