MERITOCRACIA


Muito tem se falado ultimamente do investimento dos clubes nacionais em infraestrutura, marketing, administração e até na comissão técnica. Em segundo plano está o que realmente importa para o espetáculo, a qualidade dos jogadores formados e contratados para defender a história do nosso venerado futebol.

Algumas equipes parecem se preocupar mais com a rentabilidade de suas ações, de preferência small caps, as que consiliam pequenos investimentos com grandes retornos, do que em formar grandes escretes, desses que ficam na memória do torcedor. Mais vale algum garoto adquirido ainda nas categorias de base e repassado por alguns milhões pouco tempo depois de estrear no profissional do que contar com a experiência de um veterano atacante, capaz apenas de trazer resultados dentro das quatro linhas.

Uma anomalia, sem dúvida. De que adianta um lindo campo de treinamento, cercado de equipamentos de ponta, placas de publicidade altamente rentáveis, PhDs analisando cada passo dos atletas, se a sala de troféus estiver entregue às moscas? Torcida se fideliza com títulos, não com promoções para sócios. Ainda não vi em lugar algum do mundo aqueles agitadores profissionais irem buscar no aeroporto o novo diretor de marketing, como fazem com os grandes ídolos.

No entanto, para investir em estrelas, é necessário captar recursos primeiro, dirá o outro. Ora, existe maior atrativo para patrocinadores e para a TV do que colar a sua imagem em um clube vitorioso, capaz de arrastar seus milhões de seguidores para seus parceiros comerciais? O Flamengo ganha mais dinheiro vencendo o campeonato, conquistando novos torcedores, aumentando suas cotas de patrocínio e valorizando seus jogadores ou vendendo três imberbes garotos para a Ucrânia? O que é mais rentável a longo prazo? Para qualquer grande empresa, modelos com os quais nossos clubes querem ser comparados, a resposta parece óbvia.

Por isso é bom ver São Paulo e Internacional nas semis da Libertadores e Corinthians e Fluminense na ponta do Brasileiro. O futebol não é muito afeito à justiça e talvez esteja aí o seu diferencial: é o esporte que oferece mais oportunidades para os pequenos se igualarem aos titãs. Mas ver um time em que Dagoberto é substituído por Ricardo Oliveira enfrentar outro em que Taison dá lugar a Rafael Sobis é revigorante, nos dá a impressão de que os esforços de quem apostou no talento estão sendo recompensados. Assim como ler que Washington está chegando para ser reserva de Fred e assistir às belíssimas partidas de Roberto Carlos valoriza os líderes da tabela. Só espero que não seja tudo "ilusão passageira, que a brisa primeira levou" na roda viva do futebol.

TREINADOR?


Praticando o melhor futebol entre as seleções mundiais há quatro anos, a Espanha finalmente ergueu a taça dourada em 2010. Uma Copa na África, com direito a um Uruguai das cinzas para as semifinais, um sub-23 germânico no terceiro posto, um jogo épico com pênalti perdido no último minuto da prorrogação e um campeão inédito. Ufa! Dentro desse mês, digamos, informal, outra discussão se impõem: o Barcespanha precisa de técnico?

Como todos os analistas já se cansaram de dizer, sete jogadores do time titular da Espanha são do Barcelona (ok, Villa até agora só usou a camisa grená para uma sessão de fotos). O toque de bola é do Barcelona. A frieza é do Barcelona. A marcação pressão é do Barcelona. O curioso é que, somando os treinadores da Fúria e do Barça dos últimos cinco anos, temos quatro figuras distintas. O jogo é que continua o mesmo.

Frank Rijkaard foi o primeiro a obter sucesso com a geração de Xavi e Iniesta distribuída em campo ora num 4-2-3-1 ora num 4-3-3. Em 2006, Ronaldinho comandava o time campeão Espanhol e da Champions League, cercado por baixinhos habilidosos e de grande movimentação. Depois de alcançada a glória e um desgaste natural, Deco, Van Bronckhorst e até mesmo Ronaldinho e Rijkaard perderam prestígio e cederam o posto a figuras como Busquets, Henry, Ibrahimovic e Guardiola.

Enquanto Pep Guardiola aguardava ansioso a sua estreia em 2008, a Espanha batia a Alemanha por 1 a 0 e levava o título europeu, comandada por Aragonés. A base do time já era a de Casillas, Puyol, Sergio Ramos, Xabi Alonso, Xavi, Iniesta, Villa, Torres e alguns Marcos Sennas e Capdevilas aqui e ali. E o estilo de jogo também já encantava com suas trocas de passe intermináveis e a ocupação de espaço quase perfeita praticada. Aragonés, com a sensação de dever cumprido e, desconfio, achando que o time tinha dado o que tinha que dar, foi-se para a Turquia e Del Bosque tocou o barco com praticamente o mesmo time e a mesma frequência de vitórias e espetáculos.

Depois da Eurocopa, foi a vez de Guardiola mostrar que era capaz de não atrapalhar um time talentoso e vencedor. Nada de “agora temos que jogar com três volantes e nos contra-ataques, já que o time de Ronaldinho e cia. não rendeu na última temporada”. Dunga e Jorginho bem que poderiam ter passado por lá... Enfim, com praticamente o mesmo esquema de jogo, com algumas substituições naturais de jogadores, o Barcelona decolou novamente e voltou a passear sob o carro de bombeiros na Catalunha. Estranho? É bom ser mais explosivo, como Aragonés, ou centrado, como Del Bosque?

Parece claro que o melhor é saber que, sentado no banco de reservas ou esperneando à beira do gramado, quem resolve as partidas são os jogadores. Não se levar tão a sério faz bem, não só no esporte. Óbvio que um bom técnico ajuda, contribui muito para um time vencedor. Mas nem o mais reconhecido dos treinadores tem o direito de castrar uma equipe reconhecidamente vitoriosa para impor o seu estilo, seja ele de quartel ou de tia solteirona.