EQUILÍBRIO DISTANTE


Desde que a lendária Seleção de 82, ainda conhecida como um esquadrão de craques comandado pelo genial Telê Santana e vítima de uma das maiores injustiças do futebol, perdeu aquele maldito jogo para a Itália, a imprensa brasileira carrega consigo a ideia obsessiva de que, aconteça o que acontecer, o importante é jogar para frente. O Chile ataca com seis jogadores e possui uma defesa desprotegida? Não importa, Bielsa gosta do ataque. A quem diga até que ele teve o mérito de armar uma equipe que acreditava poder partir para cima do Brasil. Ledo engano!

Bielsa, que considero um grande treinador, contribuiu muito para que o Chile fosse massacrado pelo Brasil. Se tivesse tido a humildade de um Carlos Queiroz, esse sim criticado por jogar no contra-ataque com o limitado time português (apesar de ele ter empatado conosco e perdido pela diferença mínima para a Espanha, os dois times apontados anteriormente como favoritos para a Copa), talvez não tivesse sido escorraçado do Mundial. Em um confronto entre os pusilânimes portugueses e os intrépidos andinos, apostaria todo o meu dinheiro em Portugal. Se lançar sem escrúpulos à frente não pode ser irresponsabilidade disfarçada de bravura?

No entanto, não deixa de ser interessante ouvir muita gente boa, ao mesmo tempo em que defende o estilo chileno, dizer agora que a Holanda deve ser um adversário complicado justamente porque, em teoria, alcançou o seu equilíbrio, deixando de lado o espetáculo para ser competitiva. Tudo isso sem se esquecer de que as virtudes de nossos zagueiros, merecidamente, são cantadas em verso e prosa, pois nos defendemos tão bem quanto atacamos. Parece que se lançar sem lenço e sem documento para frente é bonito só no time dos outros. Até quando estamos torcendo indiretamente, como pela Alemanha contra a Argentina, temos a esperança de que um time leve e fogoso caia diante da consistência adversária, marcada pela compactação de seus jogadores e pela obediência tática.

Parando para pensar, esse deslumbre por jogar (viver) no limite não é realmente sem razão. Se resguardar-se e evitar decepções significa jornadas tensas e distantes da felicidade, um pequeno passo separa a morte do grau máximo de satisfação. No dia a dia, procuramos dosar esses dois estilos, aprendendo a conviver com os problemas e seguindo em frente com nossas afáveis lembranças, mas não precisamos exigir isso dos outros. Como expectadores, queremos mais é ver todo mundo morrer de rir!

LINCHADORES À ESPREITA



A França acaba de perder para a seleção mexicana e muitos comentaristas estão eufóricos. Com os olhos esbugalhados e espumando, agradecem a Deus por ter castigado Domenech e seus compatriotas, intrusos no Mundial. Não duvido que mesmo entre os franceses tenha algum Robespierre sedento por “justiça” e sangue. Tudo isso por causa da mão de Henry contra a Irlanda, jogada que provavelmente livrou a França de uma prorrogação indesejada na fase classificatória para a Copa.

Sempre desconfio desses momentos de condenação coletiva, em que se constroem cenários perfeitos para uma turba expiar seus pecados em praça pública e depois retornar para suas casas furando sinais, xingando idosos e passando incólume por faxineiras e porteiros. No caso francês, temos o agravante de que não se está em questão nem um assassinato escabroso nem um desvio de dinheiro milionário, e sim uma jogada com a mão em uma partida de futebol.

Os fatos contam pouco quando aderimos a uma posição formada. Muito provavelmente, a França teria se classificado mesmo com a famigerada falta devidamente assinalada. A partida iria para uma prorrogação de trinta minutos, em Paris. A probabilidade dos franceses conseguirem um gol era muito maior que a dos irlandeses. No entanto, é muito mais conveniente acreditar que a fraca Irlanda foi injustiçada em favor de uma potência europeia.

A indignação seletiva também me tira do sério. Henry, por ter levado a mão à bola, merece ficar no banco de reservas, tem que se dar por satisfeito por estar na África do Sul e pagar por sua falha imperdoável. E Luís Fabiano, famoso por brigas e cusparadas dentro de campo, deve ser deportado para o Brasil? Rooney, que pisou na “zona de sensibilidade” de um jogador português na Copa passada, pode ser tratado como astro do Mundial? Façam-me o favor!

É melhor sermos sinceros e dizermos que estamos com a França atravessada na garganta. Vai saber se Gourcuff não confirma a alcunha de Petit Zidane e nos manda para casa novamente! Prefiro Les Bleus assistindo à fase final da Copa em uma paradisíaca ilha francesa, mas não os renegarei porque não dão esmolas a deficientes ou porque não têm a sensibilidade de se sentar ao chão e chorar ao ouvir a Marselhesa.

PEQUENOS DETALHES


Depois de vitórias suadas e conquistas inesquecíveis, sempre escutamos a história contada pelos vencedores. E eles a contam com tamanha convicção que nos sentimos estúpidos por não termos enxergado obviedades que estavam diante do nosso nariz. O que parece de lado nessas situações talvez seja a maior das verdades: a presença do imponderável em nossas vidas, muitas vezes superior a racionalizações humanas e baratas.

Lembro-me bem de uma entrevista de Muricy Ramalho ao Bola da Vez, da ESPN Brasil, dias depois do São Paulo conquistar o tri brasileiro. O tricolor paulista venceu o Goiás por 1 a 0 e deixou o Grêmio com o vice-campeonato. Muricy destacou a análise que fez do time goiano, os trabalhos realizados pelo São Paulo durante a véspera do jogo, a presença da torcida paulista no estádio e concluiu: “Não tínhamos como perder aquele jogo.” Só se esqueceu de dizer que o São Paulo levou com um gol de Borges impedido. Assim como contou com a ajuda da arbitragem para bater o Flu uma semana antes.

Então Muricy não teve nenhum mérito? Claro que teve, mas não existe essa de “o trabalho era tão bom que não tínhamos como perder” no futebol. Recorro a outros dois exemplos internacionais para ratificar minha ideia. O merecidamente aclamado Barcelona, vencedor de tudo em 2009, poderia ter ficado “apenas” com os títulos nacionais, se não fosse a arbitragem desastrosa da semifinal da Champions contra o Chelsea. Assim como a Inter de Mourinho o beatificou depois de conseguir um 3 a 1 em Milão contra o próprio Barça, graças a um gol de impedimento e um pênalti não marcado para os espanhóis.

Esta semana o Marca traz perfis de Mourinho como se fossem do novo Papa, contando em detalhes sua infância, o início de sua carreira e a relação do português com sua mulher, Matilde. Toda essa euforia pode desmoronar com uma contusão inesperada de Cristiano Ronaldo ou com uma falta mal marcada. Por um escorregão do capitão do time na última cobrança da decisão por pênaltis, São José pode voltar a ser o retranqueiro carrancudo. Como diria Paulinho da Viola, a vida não é equação para ser resolvida.