ARRIVEDERCI, CAPITANO



Sete scudetti, cinco Ligas dos Campeões, cinco Supercopas da Europa e da Itália, três Mundiais Interclubes e uma Copa da Itália. Números de toda a história do Milan? Quase. Números de uma lenda: Paolo Maldini.

No último dia 24, em seu 901º jogo pelo Milan, o capitão se despediu de San Siro na derrota para a Roma por 3 a 2. Noves fora o placar adverso e a estupidez dos “ultras” da Curva Sul do estádio (torcida organizada só dá trabalho, em qualquer lugar) - que levaram ao estádio uma facha agressiva por não engolirem o desdém do ídolo pelo bando -, a festa foi bonita, com direito a camisas comemorativas, cachecóis personalizados e lágrimas.

Cada jogador carregava do lado direito do peito um símbolo com a marca do número 3 de Maldini. Enquanto jogavam, observavam a torcida, que cantava e erguia cachecóis em homenagem ao defensor. Ao final da partida, o ídolo deu a famosa volta de agradecimento/reconhecimento no campo e não conteve o choro, observado pelo resto do elenco, claramente emocionado com o feito do capitão.

Maldini é o maior exemplo de toda uma geração. Além dos recordes impressionantes e aparentemente insuperáveis, fora das quatro linhas sempre manteve seu jeito discreto e sua liderança nata. Nada de cabeçadas em adversários, gritos estridentes e sapateadas metafísicas a cada erro da equipe. A tranquilidade de quem sabe o que está fazendo marcou sua carreira. Em uma classe desunida, é um dos poucos atletas admirados pelos colegas, que torcem por seu sucesso. “Ele é fantástico, um vencedor, um jogador que ficou tantos anos no futebol e que conseguiu mudar bastante e se reinventar ao longo do tempo. Em sua posição, acho que ele é um dos maiores em toda a história do futebol”, afirmou Totti, o estraga-prazer da festa de Maldini, autor do terceiro gol da Roma.

Filho do ex-jogador Cesare Maldini, começou a carreira em 1985, com apenas 16 anos, no Milan, único clube de toda a sua carreira. Com sua trajetória dividida entre o clube milanês e a Seleção Italiana, impressionou pelo talento raro a um defensor, que lhe capacitava a sair jogando e a driblar atacantes mais afoitos. Hoje, prestes a completar 41, encerra sua 24ª temporada no clube rossonero, algo praticamente impensável no futebol moderno, em que empresários comercializam jogadores como ações na Bolsa de Valores.

A camisa número 3 de Maldini será aposentada a partir da sua retirada dos gramados. Assim como foi a número 6, de Franco Baresi, que passou a braçadeira a Paolo em 1997. O Milan, por sinal, parece ser hoje o clube mais apegado a suas tradições: mesmo com um futebol globalizado, seis titulares são italianos e o corpo técnico do clube está recheado de ex-jogadores. Não será surpresa para ninguém se em um futuro próximo Maldini assumir pela primeira vez um lugar cativo no banco de reservas do Milan, como treinador.

Este ano perdemos, além de Maldini, Nedved, o craque tcheco da Juventus. Pena para o futebol, que se apequena.


CARA-DE-PAU




Algumas publicações da imprensa brasileira perderam o senso de ridículo já há muito, no entanto, a Caros Amigos passou dos limites. Nunca havia visto tanta desfaçatez em apenas uma edição. E olha que nos últimos tempos figuras como Protógenez e De Sanctis encheram os noticiários de tolices e alimentaram as maiores bestas jornalísticas. Enfim, vamos ao caso.

A edição de abril da Caros Amigos traz na capa uma foto da manifestação contra o termo "ditabranda" utilizado em editorial da Folha, com os seguintes dizeres: "'Ditabranda' nunca mais". No miolo da revista, críticas contundentes contra o ato irresponsável do jornal paulista de minimizar um dos momentos negros de nossa história (no entender da publicação). Bem, até aí, apenas pensei comigo: "Idiotice, não foi nada disso, mas eles podem ter as opiniões deles". O que me causou espanto foi me deparar com um artigo assinado por nada mais nada menos que Fidel Castro, um dos maiores ditadores da história, na mesma revista, no mesmo volume, comentando sobre a crise do capitalismo.

Só pude rir. Afirmam que a Folha não merece ser lida, por seus jornalistas responsáveis pelo editorial pensarem que o regime arbitrário brasileiro foi mais brando que os outros de nosso continente (e não foi?), mas cantam as glórias da democracia com um humanista como Fidel. Faça-me o favor! Achei que o caso "ditabranda" tinha parado na estupidez de Comparato e Benevides, outros que tremem só de pensar na ditadura brasileira e se emocionam ao lembrar da ilha-prisão.

Não vai demorar para estamparem uma capa contra o racismo com um reflexão de Hitler no meio da revista. Ou uma homenagem a Getúlio Vargas com alguma coluna de Carlos Lacerda. Se bem que basta a Marilene Felinto para sintetizar a boçalidade da revista.

RATOS DE LABORATÓRIO





O quadro geral do esporte de alto rendimento é preocupante e desanimador. Os atletas-máquinas atuais são fabricados com prazo de validade e logo são expostos ao ridículo. Não é mais possível disputar os primeiros lugares sem a ajuda de remédios, substâncias estimuladoras e muito sacrifício – mesmo que acompanhados de pouco talento.

Basta uma visita a qualquer centro de treinamento da natação, do futebol e do basquete, por exemplo, para verificar que nenhum atleta passa um dia longe de suas embalagens de suplemento alimentar e de uma equipe enorme de cientistas malucos (fisiologistas, fisioterapeutas, preparadores físicos etc.), indispensáveis para as mais humildes pretensões no esporte moderno. A lavagem cerebral é feita por frases de efeito, como “Não é possível vencer sem dor” e “Você tem que estar disposto a tudo, se quer alcançar os seus objetivos”. Misturam sem dó nem piedade os sentimentos mais nobres do ser humano com o tecnicismo da vitória a qualquer preço.

O resultado são coisas mais chegadas ao Robocop do que ao homem. Esportistas que transitam sem limites entre o real e o fantástico, capazes das mais diversas proezas em um curto espaço de tempo. Quem não se lembra de Ronaldinho Gaúcho, no futebol, de Roger Federer, no tênis, e de Ian Thorpe, na natação? Aptos, mas bombardeados pela medicina esportiva, reinaram por alguns anos e hoje, ainda novos, estão em um claro declínio na carreira (com exceção de Torpe, que nem em queda está, pois já se aposentou, cercado por denúncias de dopping).

Os problemas causados pelos anabolizantes e pelos treinos desproporcionais com o corpo humano arrastam-se por toda a vida, estando os atletas em atividade ou não. O tempo sempre aparece para cobrar de quem quis passar de seus limites. Especula-se se Ronaldo conseguirá levantar do sofá aos 50 anos, Romário ficou manco, não se sabe a longevidade da carreira de Rafael Nadal, por ele ter apenas 22 anos de idade e sofrer de lesões crônicas.

Com tudo isso, a coroa está cada ano em uma mão. No futebol, de Ronaldinho passou para Kaká, dele para Cristiano Ronaldo, de Cristiano para Messi, e assim deve seguir sua peregrinação. Gasta-se milhões de euros em atletas por ano. Depois de usá-los, basta dobrar a embalagem e guardá-los. Os mutantes ainda vão dominar o mundo!

CAFÉ PEQUENO





A Câmara dos Deputados definitivamente é um lugar de non-sense. Pego com o castelo na mão, o deputado Edmar Moreira(DEM) foi obrigado a abdicar do cargo de 2º vice-presidente e corregedor da casa por não ter como explicar seu enriquecimento e suas dívidas trabalhistas - diga-se, foi compelido pelo DEM a renunciar ao posto e incentivado a se desligar formalmente da sigla, coisa que o PT não fez com nenhum dos mensaleiros. Para o seu lugar, o herdeiro não de um castelo, mas de um estado, o da Bahia, ACM Neto. Já que é pra ocupar um cargo deste naipe, vamos colocar alguém que realmente tenha a envergadura necessária. Castelo é coisa de Rapunzel, melhor um legítimo nobre, acostumado com as maracutaias políticas desde tenra idade.

ARITMÉTICA


BONITINHO, MAS ORDINÁRIO




Sempre que há qualquer suspeita de preconceito com relação a qualquer minoria, surge uma justificada indignação. O problema é quando ele se dirige a parcelas da sociedade que possuem estereótipos que fogem ao vitimismo, acostumadas a serem vistas como o topo da hierarquia da civilização. Brancos, judeus, americanos, intelectuais e afins parecem não ter o mesmo direito dos demais (dentro do politicamente correto), visto que supostamente já ultrapassaram suas cotas de bem-estar. Lembremos a revolta contra um artigo de protesto escrito por Luciano Huck depois de um assalto; ele é famoso e milionário, que se dê por satisfeito por estar vivo e não encha o saco. O nariz de cera é apenas para evocar os olhares de esguelha destinados a David Beckham, que ao mesmo tempo em que consegue contratos de publicidade pela aparência não tem o seu futebol valorizado pelo mesmo motivo.

Não entendo como um cara que disputou três Copas do Mundo, jogou pelo Manchester United, Real Madrid e Milan, além de liderar a seleção inglesa, pode ser visto com tanto desdém. Muricy Ramalho é elogiado na TV quando diz que pelo menos 30% dos gols saem por meio de bolas paradas; Beckham é o melhor do mundo no fundamento. Os argentinos gostam de times que se recomponham com facilidade; Beckham atua tanto de volante como de armador. Os comentaristas, corneteiros atávicos, lamentam a escassez de lançamentos no futebol moderno; Beckham faz os mais precisos. Enfim, seja pela ficha técnica, seja pelo que já demonstrou em campo, Beckham devia ser mais apreciado. Está na hora das pessoas perceberem que ele é jogador de futebol pelo seu talento, nenhuma carreira na história desse esporte foi emplacada pela beleza.

Claro que não vou negar que o rapaz é bom de marketing. Talvez em um semestre o seu clube já tenha de volta o dinheiro investido. Mas esse deveria ser mais um ponto a favor dele, e não contra. Se, por motivos publicitários, ele não jogasse, faltasse a treinos, alegasse contusões, tudo bem; cumprindo com suas obrigações, como ele faz, ser bom de mídia é apenas um upgrade. As russas Isinbayeva e Sharapova estão aí para confirmar. E a também russa Kournikova idem, por outro viés, mostrando como uma atleta apenas bonita não se mantém no topo.

No último domingo Beckham marcou o terceiro gol do Milan sobre o Bologna, o primeiro dele com a camisa rossonera. É titular, já conquistou os italianos e o treinador Carlo Ancelotti. O turrão Fabio Capello foi outro a ceder aos seus dotes. Chegou a afastar o inglês do Real por ele ter assinado com o Los Angeles Galaxy, mas, depois, em um momento de aperto do time, o trouxe de volta aos gramados e se encantou pelo seu futebol e por sua humildade. Ah, só para constar, Beckham foi o melhor jogador desse Real Madrid e da última conquista nacional do clube merengue.

Com tudo isso, ainda parece que a cada lugar que ele chega é preciso que sua presença seja imposta, que os entendidos aceitem a sua companhia. Uma volta à carreira de Beckham responde com facilidade que é ele quem costuma socorrer os experts nos momentos de crise financeira ou de crise técnica, independente do batom, do penteado e de suas axilas raspadas.


ARTE

Se em Luzes da Ribalta Charles Chaplin conseguiu voltar as atenções do mundo moderno para o cotidiano e as frustrações de artistas das artes cênicas, Leoncavallo o fez mais de meio século antes, com sua ópera I Pagliacci, em Milão. Uma de suas árias, Vesti la Giubba, tornou-se um clássico mundial, passando pelas potentes vozes de nomes como Caruso e Pavarotti. Nada muito inventiva, mas de uma sensibilidade avassaladora, uma espécie de transformação em palavras da maquiagem borrada e evanescente de qualquer palhaço soturno em seu camarim.
A idéia do palhaço que deve rir, aconteça o que acontecer, e divertir, em alguns momentos no verdadeiro sentido da palavra interpretação, nos remete a questões existenciais que fariam Sartre e Camus se passarem por frívolos. O velho clichê do artista envolvido pelo álcool, mulheres e jogos de azar que deve se esquecer do mundo por alguns instantes, pelo menos enquanto houver luz sobre o palco.
Sem mais filosofia barata, abaixo uma interpretação de Pavarotti para Vesti la Giubba, seguida pela tradução da ária.



Atuar!
Enquanto estou preso pelo delírio
Não sei mais o que digo
E o que faço
Embora seja preciso
Que se esforce
Bah!Por acaso és um homem?
Há!Tu és Palhaço
Vista a fantasia,e pinte a cara
As pessoas pagam,e querem rir
Mas se Arlequim te rouba a Colombina,
Ri,Palhaço,e todos aplaudirão.
Transformas em pantomimas o riso
E o pranto
Em uma metamorfose,o soluço e a dor
Ri,Palhaço
Sobre o teu amor destroçado
Ri da dor que te envenena o coração.

ESTRATÉGIA DE GUERRA



No próximo domingo, frente ao Fluminense, o São Paulo deve conquistar o tricampeonato brasileiro. Mais uma vez, na hora de decidir, o time ganhou corpo – uma defesa inexpugnável, um meio-campo povoado e um ataque clínico, que não perdoa as oportunidades que lhe são dadas. Conclusões mais apressadas atribuem ao técnico Muricy ou a alguns valores individuais mais um caneco. Não, as vitórias foram construídas antes.
Em 2005, quando o clube conquistou a Libertadores, primeiro título deste ciclo maldito, o técnico era outro, o time era outro e o presidente era outro. O São Paulo começou o ano campeão paulista com Leão e terminou campeão mundial com Autuori. A dupla Mineiro e Josué era considerada insubstituível, Fabão tinha status de grande zagueiro, Amoroso era a alma do ataque. A gestão de Marcelo Portugal Gouveia era o exemplo a ser seguido. Bom, no ano seguinte lá estava o São Paulo na final da Libertadores de novo, com Muricy no comando, Danilo no Japão e Aloísio na frente. Sempre alguns jogadores medianos, nenhum ruim, bons técnicos, mas, principalmente, o mesmo estilo de jogo. Defesas fortes, times compactos, grande aproveitamento nas bolas paradas e jogadores de bom porte físico. Foi assim que fizeram sua tática de guerra.

Os exemplos estão aí para confirmar. O hoje badalado Zé Luis foi escorraçado do Atlético e estava levando a vida no pequeno São Caetano. Miranda voltou com o rabo entre as pernas de sua passagem pela Europa. Jean era do juniores do time. Rodrigo foi dispensado pelo Flamengo. André Dias era reserva de Alex Silva e só passou a jogar quando ele foi vendido. Jorge Wagner rodou pela Rússia e não se encaixou em lugar algum. Juntos eles formam um time imbatível. Muricy vai comandar a equipe até sair para a Seleção. A fórmula está pronta e basta ser seguida.

Com isso não tiro os méritos do técnico dos bambis. Pelo contrário, ele é hoje, disparado, o melhor do Brasil. A cada ano, a diretoria monta um time, Muricy outro, e quem ganha é o dele. Dispensa Carlos Albertos e Fábios Santos e investe em Zés e Jeans, e os seus jogadores é que dão resultado. Obviamente o padrão de jogo também se deve a ele, assim como a aposta em Hernanes e Richarlyssons que brotam no time. O que quero demonstrar é que o São Paulo hoje não depende exclusivamente de jogadores e técnicos, assim como o Boca Juniors; ambos possuem uma característica própria a ser seguida por seus empregados, Adílson Batista não conseguiria empurrá-los para a gaiola como fez com o Cruzeiro.

A comparação é oportuna. O Boca com Riquelme ou sem Riquelme, com Russo ou com Ischia como técnico, com Vargas ou sem Vargas (que fracassou no Inter) na cabeça-de-área, com Burdisso ou Cáceres na defesa, com Pato ou Bobadilla no gol, enfim, sempre, é um time forte e temido na América do Sul. Quais as características? Lá vem a ladainha: defesa forte, bola aérea forte, jogadores fortes, contra-ataque forte, time homogêneo. A mesma coisa. Ah, ambos jogam bem tanto dentro quanto fora de casa. Isso é padrão, não obra de uma comissão técnica, de um jogador ou de um presidente.

Outras equipes caminham no mundo para isso. O Barcelona de três atacantes, o Manchester de três atacantes, a Inter de três atacantes. Estão prontos para a guerra, não ficam à mercê de generais e atiradores, enquanto o inimigo está vindo, estão indo. Enquanto Hugos são colocados no pedestal, já preparam algum João para o ano que vem e para a próxima taça.





Sex, 28 Nov 2008 18:56:33


REINALDO AZEVEDO DÁ NOME AOS PETRALHAS










O polêmico analista político Reinaldo Azevedo lançou, na última segunda (17/11), o livro O País dos Petralhas (Record, R$ 33,90, 337 págs.) na Leitura Mega Store do BH Shopping. A turma do Tio Rei, como é carinhosamente chamado por seus leitores, compareceu em peso ao evento - os organizadores estimam que de 200 a 250 pessoas estiveram presentes –, os 100 primeiros usando o mesmo elegante chapéu de palha do autor.

A palestra de apresentação, antes da sessão de autógrafos, começou cerca de uma hora atrasada, por causa do atraso do vôo de Reinaldo, que até fez piada sobre o assunto, dizendo que, pela falta de segurança no tráfico aéreo no Brasil, um chuvisco em São Paulo atrasa um vôo de 40 minutos.

Azevedo, que nunca havia estado em Belo Horizonte, recitou Cláudio Manoel da Costa em homenagem a Minas e aos mineiros. Em sua palestra, como de costume, ele atacou o governo e o PT, além de todos aqueles que, em sua opinião, infringem o Estado Democrático e de Direito, entre eles juristas e políticos.

Com suas frases de efeito habituais, como “Aquele que cede ao inimigo direito que o mesmo não cederia é um imbecil”, “O Brasil é o país do bundismo e do coitadismo” e “Dos buracos da minha cabeça não brotam a hidra” (referência a tumores que teve no cérebro), ele esquentou a platéia para o encerramento, em que distribuiu autógrafos, tirou fotos e conversou com os fãs.

Confira, a seguir, a entrevista cedida por Reinaldo Azevedo a mim, para a BR Press:

Hoje, no Brasil, podemos perceber uma nítida divisão entre duas correntes jornalísticas: a grande imprensa formada pela Veja, Globo, Folha etc., e a autodenominada imprensa livre, com jornalistas como Luis Nassif, Mino Carta e Paulo Henrique Amorim atuando em blogs. Qual a principal diferença entre esses grupos? E que tipo de informação o leitor pode esperar deles?

Reinaldo Azevedo – Eu não os considero como adversários. Eu não considero essas pessoas como jornalistas sérios, eles fazem outra coisa. Gente que se dedica a puxar o saco do governo já deixou de fazer jornalismo faz tempo. Não são nossos interlocutores para concordar ou divergir. Existe uma diferença entre pessoas que assumem uma posição bem clara, e existem pessoas até da grande imprensa que gostam desse negócio do outro ladismo, mas são sérias. Esses outros que você citou, não considero pessoas sérias.

E até que ponto acha que essa imprensa que você abomina influenciou o inquérito do delegado Protógenes contra a mídia, em que ele coloca sob suspeita vários jornalistas da grande imprensa, concordando com várias idéias disseminadas pela mídia independente?

RA – Eu não tenho elementos para acusar formalmente. Eu acho que eles instruíram o Protógenes. Ele cita trechos de coisas escritas por essa gente no seu relatório porco, incrivelmente mal escrito. Aliás, o português dele só é tão pobre porque ele transcreve essa gente aí.

Como você vê a relação do governo Lula e o PT com essas ditaduras da América do Sul?

RA – Eu acho triste, lamentável, eles pensam a mesma coisa, têm o mesmo programa. A institucionalidade não deixa o Lula ser um Chávez, um Evo, aqui. É fato que todos eles são ligados ao Foro de São Paulo, todos eles obedecem certa diretriz. O Lula apóia essa gente porque tem o mesmo programa, se pudesse ele seria o nosso Evo, o nosso Chávez. A democracia brasileira está institucionalizada, e certo tipo de experiências o Brasil rejeitou. Se depender de mim e de muitos outros, nunca vai aceitar. O Lula vai até onde a institucionalidade aceita.

Qual o panorama mundial com a eleição de Obama? O que esperar dele para o Brasil, para os Estados Unidos e as outras nações?

RA - Eu não acredito nesse mito do Obama. Vai voltar a política cínica dos democratas com relação às ditaduras. No fundo, não vão dar bola para a América Latina, o candidato nosso, do Brasil e da América Latina, seria John McCain. Acho que Obama vai ser medianamente conservador, eu vou me decepcionar menos com ele do que a turma do miolo mole, que acredita nele como um líder de ONG. Obama vai se preocupar é com as relações com a Europa, com o Oriente Médio. Ninguém sabe o que ele pensa, mas uma coisa é certa: a babacomania, como chamo, vai se decepcionar, porque ele vai ter que dar repostas duras a governos contrários aos EUA, como o Afeganistão, o Paquistão etc.

Você é a favor da retirada das tropas do Iraque?

RA - Eu sou contra e o Obama também é. Ele vai retirar quando der e quando tiver situação política para tal, o que está a caminho. As tropas vão começar a sair porque finalmente as coisas começarem a ser feitas certas lá. O pós-guerra foi um desastre, o Secretário de Defesa Rumsfeld caiu por causa disso.

O que você achou das eleições municipais no Brasil? Serra garantiu sua candidatura para presidente?

RA – Não, acho que o jogo está aberto. Serra hoje é o favorito, entre outras coisas, porque ele tem dimensão nacional, coisa que o Aécio não tem e não sei se terá. Não está definido o candidato do PT e do PSDB. Acho que a Dilma não será candidata, aposto no Haddad, Ministro da Educação. Ele tem a máquina populista, representa o PT universitário, depois do PT operário, agora é PT universitário. Embora hoje a situação seja mais favorável ao Serra, acho que o jogo ainda está sendo jogado.

Você se prefere como crítico de literatura a crítico político. Por que então escreve sobre política e não tem participado da cena literária?

RA - Minha primeira formação é em letras, gosto disso, dizem que escrevo bem a respeito, tenho um livro de resenhas. O assunto é mais interessante, diversidade humana e sentimental. Eu gosto de política também e você tem participação no debate público maior com a política. Literatura, cinema atingem uma parcela mais restrita de pessoas. Sinto hoje necessidade de interferir, por isso escrevo mais sobre política. Tinha uma área de cultura no meu blog, mas tem me faltado tempo.





Seg, 10 Nov 2008 00:15:16

PRINCÍPIO DO PRAZER





Vicky Cristina Barcelona, assim mesmo, sem vírgulas, uma coisa só durante um espaço de tempo, é o novo filme de Woody Allen. Ou, como já manjado, poderia ser o novo Almodóvar. A Espanha está lá, com suas cores vibrantes, seus artistas passionais, suas histórias tresloucadas e seus cenários naturais deslumbrantes. Um Woody Allen diferente, menos pastelão e mais visceral.

Os diálogos intermináveis e atrapalhados (com enorme presença de espírito, é verdade) de um neurótico dão lugar a três mulheres bonitas, mais ativas e igualmente neuróticas. Assistindo ao filme, parece que Allen se divertiu um bocado através da personagem de Bardem, talvez um artista-fetiche do diretor, que se aproveita das mulheres e assisti ao desenrolar de suas vidas de camarote. Expliquemos: Vicky e Cristina estão em Barcelona, por tempo inicialmente predeterminado, e conhecem Juan Antonio, pintor e ex-marido de Maria Elena. Os quatro nunca estão presentes na mesma cena, mas vários triângulos entre eles são formados durante o filme. Alguma coisa em comum? Todos perdidos.

Vicky é uma estudante da cultura catalã, algo que nem mesmo ela sabe como aproveitar no futuro, em uma busca recalcada de sentido para a vida, enquanto disfarça suas emoções em um relacionamento sólido. Cristina veio passar uns tempos com a amiga, enquanto espera algo de novo acontecer, sem saber o que seria, apenas o que ela não gostaria que fosse. Juan Antonio e Maria Elena são dois artistas espanhóis livres do superego da civilização, mas, exatamente por isso, preenchem suas faltas com a presença um do outro. Nesse ambiente em que ninguém parece saber ao certo a que veio, a entrega esperançosa ao prazer parece os unir, cada qual a seu tempo.

Dentre os enlaços e desenlaços do quarteto, destaque para os beijos entre Penelope Cruz e Scarlett Johansson, além das cenas de ciúmes de Maria Elena, cômicas e sensacionais. Com um enredo um tom acima do real, na zona do que Freud chamaria de princípio do prazer, Cristina amadurece artística e pessoalmente, Vicky termina em um ato de maturidade, Juan Antonio e Maria Elena dão seguimento a suas vidas de satisfações inebriantes e vazios temporários, assim que o grande Deus, Barcelona, tira a mão do ombro de todos e os deixa seguir. Na cidade espanhola viveram o inexplicável, apenas para provar que os que precisam de explicação são os mortos que de vez em quando nos cumprimentam na rua.

Woody Allen também sai diferente da Cataluña, com uma comédia mais ousada, um humor mais escrachado, uma brincadeira sadia com os rótulos da sociedade. O velhinho voyeur mais uma vez foi à arte para achar o prazer irreal, fugir da vida fugaz e sem sentido de qualquer cidadão.



Seg, 3 Nov 2008 00:13:19

À IMAGEM DE WAGNER





A cada jogo do Cruzeiro fora de casa, até mesmo em alguns dentro do Mineirão contra times mais fortes, a equipe demonstra que não está pronta para ganhar nada relevante. Neste domingo, no Serra Dourada, frente ao Goiás, o armador Wagner demonstrou mais uma vez apatia e falta de espírito de decisão, assim como toda a equipe.

E a regra não vale apenas para o jogo de hoje, e sim para todo o campeonato. O Cruzeiro possui uma equipe jovem, talentosa, de bom passe e velocidade. Em casa, costuma acuar os adversários mais incautos, partindo para cima e atropelando. Desfila um futebol envolvente, de dribles rápidos e escapadas mortais. Em todas essas situações, Wagner aparece como um dos destaques do time, incorporando cada uma das virtudes supracitadas. Os problemas tomam forma quando os confrontos são mais exigentes, seja pela categoria do oponente, seja pela falta da participação da torcida. Wagner e o Cruzeiro costumam sumir, procuram abrigo na sombra.

Basta um volante pegador, de qualquer equipe forte, para Wagner não pegar na bola. Ele fica de costas para o gol, esperando o tranco do bronco rival, para cair. Cai, reclama, levanta... E nada! Não antecipa uma bola, não acerta um chute. E o Cruzeiro despenca, clama pelo final da partida e do vexame. O time desce para o vestiário atrás de seu Gatorade, o isotônico que irá repor o sangue e esperanças de um próximo jogo melhor.

Muito dessa atitude se deve ao treinador, um homem desconfiado ao extremo, sempre olhando de soslaio para o mais fraco dos adversários. Chamado a agir, ele e o seu time preferem se omitir, esperar o tempo passar e uma solução inesperada aparecer. Quantos não foram os jogos em que o Cruzeiro apenas deixou de ganhar, com atacantes mais recuados, laterais prontos a marcar, meias somente compondo o meio-campo? Hoje a tabela cobra do clube essa pusilanimidade antes demonstrada.

De maneira fria, nos perguntamos se uma equipe inexperiente como essa, acima da média do campeonato, é verdade, mas sem o instinto de caça dos principais concorrentes, pode vencer a competição mais parelha do mundo. Refletimos se Adílson está maduro ao ponto de colocar Luxemburgo e Muricy nos chinelos. A paixão nos faz torcer e acreditar, mas a realidade tem dado sua resposta implacável.




Qua, 15 Out 2008 15:51:09

FILHINHOS-DE-PAPAI





O futebol já há muito deixou de ser visto apenas como um esporte. Grupos de investimento e de lavagem de dinheiro flertam constantemente com os bilhões de dólares movimentados por ano pelo calcio, e a incontrolável especulação em cima de valores e salários dos jogadores leva ciclicamente à desconfiança e conseqüente desaceleração da economia esportiva, como a que acontece hoje também no mundo dos negócios, digamos, mais formais.

Nos últimos anos nos acostumamos a ver estampadas nas manchetes dos jornais cifras astronômicas desembolsadas por clubes europeus em compras e premiações de jogadores, valores intangíveis à população comum. Parece um poço sem fundo de dinheiro; 20 milhões de euros circulam no mercado como nota de 20 na carteira do assalariado. O petróleo, a máfia, as megaempresas e dinheiro roubado de governos são os maiores financiadores de equipes inteiras montadas à custa de centenas de milhões de euros, impérios que até recentemente pareciam indestrutíveis. Tamanho sucesso fez com que no Brasil a imprensa enxergasse no modelo europeu de organização e financiamento de competições um ideal a ser seguido, um exemplo total de que existe salvação para o nosso futebol.

Ledo engano. Na semana passada, a Federação Inglesa de Futebol divulgou, através de seu presidente, que as equipes inglesas, responsáveis pelos maiores negócios esportivos, devem cerca de 3,8 bilhões de libras, sendo 30% desse valor pertencente a Liverpool, Manchester United e Chelsea, três titãs. O dirigente brasileiro do Milan, o ex-jogador Leonardo, afirmou também que a sua equipe, a Inter e a Juventus, na Itália, também fecham alguns anos no vermelho, como várias equipes de pequeno e médio porte da Espanha, França e Portugal. Qual o segredo das maiores potências? Seus donos cobrem os desfalques ao final desses anos de crise, equilibrando as contas. Os clubes não apresentam a força que demonstram, são frágeis estruturas nas mãos de bilionários que brincam e se salvam por meio deles. Se o governo russo fosse atrás da máfia do país, integrada por Abramovich, dono do Chelsea, ele se escafederia e o clube passaria por apertos. O mesmo aconteceria se Berlusconi fosse expurgado da Itália e deixasse o Milan a ver navios.

Outro risco que essas equipes correm hoje é o de que a crise financeira mundial afete as empresas de seus proprietários, algo que aprece claro e inexorável. Um grande freio deve acontecer nos próximos meses no mercado do futebol, com bancos e conglomerados quebrando e dificultando a vida dos empresários do esporte. Será difícil vender um Robinho por 40 milhões de euros, assim como um Marcelo Moreno por 9 desses milhões. Principalmente os clubes da América do Sul, os mais pobres, necessitam se preparar rápido, pois só os mais organizados e independentes, que não se financiam completamente pela venda de jogadores, é que resistirão em pé aos ventos vindos da bolsa. Quanto às equipes européias, balançarão mas resistirão, como em outras épocas, pois seus pais são poderosos e logo poderão repor a mesada que lhes garante a sobrevivência.



Seg, 13 Out 2008 00:15:07

O INTOCÁVEL





Marta Suplicy, candidata virtualmente derrotada nas eleições de São Paulo, deveria procurar os empresários de Rogério Ceni, senão o próprio, para tentar uma reviravolta na situação. Ninguém no Brasil goza de mais prestígio e é mais blindado do que o goleiro são-paulino. Suas defesas, suas falas e seu comportamento rapidamente ganham status de manifestações divinas. Os jornalistas analisam o seu amarrar de chuteiras como um ato metafísico. Isso tudo sem que Rogério nunca tenha passado de um grande goleiro, como outros 10 ou 20 que tivemos.

Ceni sempre está entre os três primeiros colocados na lista anual de jogadores-malas feita pela Placar. A revista realiza um escrutínio com os capitães de todos os times da Série A, colegas de profissão de Rogério. Mas isso não basta para que o classifiquem como chato. A justificativa de plantão é a de que ele, na verdade, é invejado pelos outros jogadores, por eles não possuírem sua clarividência. Se a equipe de Galvão Bueno não morre de amores por ele, se Milton Neves não é aceito pelos colegas, se Carlos Alberto é odiado, boa coisa eles não são; Rogério é apenas invejado.

Em 2001, Ceni recebeu um aumento de salário considerável do São Paulo. O detalhe é a história até hoje não esclarecida por trás do fato. De um lado, a antiga diretoria tricolor diz que só tomou tal atitude por um suposto interesse do Arsenal no goleiro, afirmado por ele mesmo e desmentido pela direção do clube inglês; do outro, Ceni diz ter tido realmente uma proposta concreta dos londrinos. Rogério foi suspenso por 28 dias e até hoje uma nuvem cobre a situação. Não se sabe quem estava certo. Independente de que lado falava a verdade, o importante foi a falta de empenho da mídia em esclarecer o ocorrido, ela analisava o assunto como que pisando em ovos.

Observando Rogério somente dentro das quatro linhas, também se percebe a delicadeza da imprensa, a grande formadora de opinião no mundo, para com ele. Ceni é, sem dúvida, um dos grandes goleiros do Brasil. Um arqueiro capaz de defesas importantes, como as do Mundial, contra o Liverpool, em que ele fechou o gol. É também um grande nome debaixo das traves em todo o mundo. Mas paremos por aí. É também um goleiro que já falhou em vários momentos de decisão: na sua estréia na seleção; nas semifinais da Libertadores de 2005; na final da mesma Libertadores, em 2006; na decisão do Paulista de 2008, entre outras. É um goleiro acima da média, mas não podíamos confiar a ele uma Copa do Mundo, como fizemos com Marcos.

Rogério Ceni aproveitou-se também (sem nenhum sentido pejorativo, pois não foi culpa sua) da sorte de atuar neste momento atual do futebol brasileiro. Há alguns anos, tínhamos dois goleiros que ocupavam as principais manchetes: Marcos e Dida. Um terceiro vinha por fora, o jovem talentoso e aposta para o futuro Julio César. Rogério obtinha seu espaço, atuando num grande clube e cumprindo bem o seu dever. Mas era um coadjuvante. Com a saída de Dida para o Milan e a de Julio César para a Internazioanle, mais a contusão de Marcos, que o afastou praticamente por quatro anos dos gramados, Ceni deitou de braçada na posição. Conseguiu firmar sua fama em campo, apareceu como o principal goleiro brasileiro, cravou no São Paulo sua imagem para a eternidade. Brilhou quando podia brilhar, fez seu marketing e seu valor simbólico de ídolo transcendental em meia década sem concorrentes. Desfilando em campo, com a mídia a favor e jogando em um time vitorioso, é hoje barbada para os prêmios nacioanais.

Agora, sentado de frente para o computador, penso comigo se finalmente a atuação de Julio César contra a Venezuela, em que ele operou três milagres, convenceu os brasileiros da diferença técnica entre ele e Ceni. Será que o povo entendeu a aposta de Júlio como o responsável pelo gol do Brasil? Eu acho que não, sempre terá alguém para dizer que se Rogério Ceni estivesse lá...




Qua, 8 Out 2008 17:39:47

SAUDOSISMO





A maioria dos programas esportivos de hoje em dia não precisam ser assistidos para sabermos seus conteúdos – são as mesmas opiniões factuais, estatísticas semelhantes, entrevistas iguais e a idéia onipresente de um tempo pretérito glorioso, reformado com memórias seletivas, comparações descontextualizadas e tinta fresca nas cores desbotadas do passado.

O problema da história dos nossos sonhos é que cobramos do presente as mesmas realizações imaginárias que teríamos tido em outros tempos. Dois exemplos clássicos, aplicados ao futebol, são as manjadas ladainhas sobre o amor à camisa e a qualidade dos nossos jogadores. Sempre sobra espaço para alfinetadas como “Imagina se Pelé teria jogado em outra equipe?” e “O Flamengo tinha Zico, Leandro e Júnior; hoje tem Toró, Vandinho e Josiel”. Nos anos 1960 realmente não existiria um Pelé fora da Vila Belmiro, assim como no início dos anos 1980 apenas alguns gatos pingados jogavam fora do Brasil. Outras épocas, outras regras.

A questão da fidelidade aos clubes está cada vez mais presente: mais de dois mil jogadores saem do país por ano, oficialmente. Fato que nos leva a pensar em ídolos que se eternizaram em seus times, como Roberto Dinamite, no Vasco; Sócrates, no Corinthians; Zico e Júnior, no Flamengo. Os exemplos são muitos. Mas o que mais esses jogadores tiveram em comum? A falta de ofertas do exterior durante boa parte da carreira. Assim que elas vieram, eles partiram. Quando obteve o convite do Barcelona, Dinamite foi; Zico foi parar na pequena Udinese; Sócrates, na Fiorentina; Júnior, no Torino. Com exceção do Barça, onde Roberto ficou por pouquíssimo tempo, todas as outras eram equipes sem projeção internacional, o que não impediu as transferências dos craques brasileiros. Fica a pergunta: Zico teria recusado 20 milhões de euros do Real Madri aos 19 anos? Rivelino não aceitaria 10 milhões da Inter de Milão? Duvido! O declarado amor à camisa sempre esteve estreitamente ligado à falta de oportunidades em mercados hoje mais atraentes, que no passado nem eram tão atraentes assim nem exportavam tanto quanto agora.

O baixo nível técnico do Brasileirão é apenas uma conseqüência desse êxodo desenfreado de atletas, cada vez lançados mais jovens e vendidos mais rápido. Mercados emergentes, como o Leste Europeu e a Ásia, e os petrodólares, vindos da Rússia e da Inglaterra, levam tudo, desde as estrelas até as promessas, passando por jogadores medianos. Resta ao nosso futebol se contentar com o que aqui ficou, sem se esquecer de se preparar para as reposições futuras, que não tardarão. O que não quer dizer que a safra de atletas brasileiros hoje seja fraca. Mentira! É apenas uma conclusão apressada. Sem os gaviões de fora rondando o Brasil, como era antigamente, teríamos equipes fortíssimas. Imaginemos um Palmeiras com Roberto Carlos, Djalminha e Rivaldo; um São Paulo com Cafu, Lugano e Kaká; um Cruzeiro com Dida, Edu Dracena e Fred; um Santos com Elano, Diego e Robinho. Times capazes de rivalizar com o São Paulo dos anos 1990, o Flamengo e o Atlético dos anos 1980, o Inter e o Palmeiras dos anos 1970. No futuro alguém ainda dirá que não fabricamos mais Ronaldinhos e Kakás e que é uma pena os jogadores não ficarem mais de dois anos em seus clubes.



Ter, 30 Set 2008 00:30:57

SENHOR DO SEU DESEJO





A editora Zahar acaba de lançar no Brasil o livro “Conversas com Almodóvar”, do crítico de cinema e amigo íntimo do espanhol, o jornalista Frédéric Strauss. O livro é uma espécie de filmografia do diretor, contando toda a trajetória da carreira do cineasta e as nuances de cada filme rodado. Strauss organizou mais de 20 anos de entrevistas feitas com Almodóvar cronologicamente, de modo que a versão final do livro ficou a cara dos filmes do seu personagem principal: recheada de revelações pessoais, mas até o ponto em que certo pudor entra em ação, impedindo que se torne uma biografia.

Pedro Almodóvar nasceu e se criou em La Mancha, em uma aldeia da região. A vida interiorana, católica e recatada dos moradores do vilarejo fez de Almodóvar uma criança solitária e observadora, características que o fizeram explorar o mundo da imaginação e das tertúlias entre as mulheres desde cedo. Essa época foi também uma antiescola : “Tudo que me rodeava na minha aldeia era uma espécie de lista de todas as coisas que eu não queria fazer na minha vida”, definiu. Daí ele se interessou pelo cinema e encontrou onde depositar suas criações e anseios. Com seu irmão, Augustín, parceiro até hoje em suas produções, iniciou suas aventuras cinematográficas em super-oito. Ele reunia os amigos, muitos deles colaboradores, e apresentava seus filmes ao vivo, interpretando os diálogos enquanto as imagens passavam na tela, divertindo espectadores em bares, cinemas e exposições.

Já em Madri, como funcionário da companhia telefônica, a obsessão de filmar a realidade que o cercava, sem um projeto de neo-realismo, mas sim de representação, era mais forte do que nunca. Cada vez mais enturmado no ambiente underground da cidade, conheceu sua eterna musa, Carmem Maura, já conhecida neste meio, reconhecimento que ela usou para atrair financiadores para seu primeiro filme, “Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão”, que se tornou um cult em Madri.

Seu estilo cômico e transgressor fez dele um iconoclasta na Espanha; em seis anos ele produziu mais quatro filmes de sucesso, sem se render ao mercado. Preocupado com sua independência, ele montou a sua própria produtora, a “El Deseo”. Lá ele mantém a sua irmandade - da sua equipe e, principalmente, da sua cabeça saem todos os projetos cinematográficos. Ninguém interfere. Desde os pré-argumentos às propostas de publicidade dos filmes, tudo é pensado internamente, passando pelo elenco, os cenários e os figurinos. O estilo passional de Almodóvar está impregnado em tudo: o vermelho e as cores fortes estão sempre presentes, os móveis e adornos constantemente são peças suas, sua forma visceral de viver é encontrada na interpretação dos atores (na grande maioria, atrizes). Ele desenvolve os roteiros e roda seus filmes em um estilo compulsivo. “Só sei trabalhar me tornando vítima de minha paixão pelo trabalho”, declarou em uma das entrevistas do livro.

A partir de “Tudo Sobre Minha Mãe”, filme que lhe valeu o Oscar e o prêmio de melhor roteiro em Cannes, Almodóvar começa um trabalho de retomada de suas origens e de maior maturidade formal e narrativa. O reconhecimento mundial e a atração de Hollywood não lhe fisgaram; os travestis, as mulheres guerreiras, as neuroses e a sensualidade continuaram presentes, mas de forma mais pessoal e encadeada. Suas referências na literatura e no cinema, desde sempre fontes de inspiração, estão mais firmes e atuantes, seus roteiros são minuciosamente trabalhados. “Preciso dar a mim mesmo explicações que ninguém jamais pedirá” e “Estou descobrindo pouco a pouco a força do que não se vê” são declarações de Almodóvar que resumem bem esta etapa. O resultado são obras-primas como “Fale com Ela”, “Má Educação” e “Volver”. A mistura de gêneros, desde o melodrama ao policial, engloba inúmeras narrativas e ações, mas não consegue fugir do próprio criador – a solidão, o medo da morte e a paixão marcam qualquer de seus argumentos. Para se conhecer mais deste universo o livro de Strauss é leitura obrigatória, um marco referencial.

Pedro Almodóvar sempre enxergou as salas de cinema como “o refúgio para os assassinos e os solitários”, o local onde se mata o tempo e se vê o futuro. Hoje, com mais de 50 anos e já vivendo o futuro que imaginou, principalmente depois da morte de sua mãe, pois para ele é a partir daí que o tempo começa a voar, Pedro Almodóvar Caballero luta contra suas angustias trabalhando firme e as incrementando em seus filmes, cada vez mais entregue de corpo e alma. “Afinal, o essencial é isso: sobreviver e manter a paixão”.



Seg, 22 Set 2008 00:24:25

FILOSOFIA EM BRAILLE





A metáfora da falta de visão proposta por José Saramago, em seu livro “Ensaios Sobre a Cegueira”, para definir a condição em que se encontra a maior parte dos indivíduos nas suas relações de sociabilização, desde as mais triviais às mais complexas, é sensacional. Fernando Meirelles teve o grande mérito de passá-la para o cinema livre de clichês e representações fáceis, procurando deixá-la escapar, em toda a sua amplitude, nas entrelinhas de algumas cenas.

A principal destas talvez seja a primeira conversa que assistimos entre as personagens de Julianne Moore e Mark Ruffalo. O oftalmologista, do auto de seu conhecimento e sua empáfia, explica para a dona-de-casa um caso raro de cegueira que recebeu em seu consultório, parecido com a agnose, mas diferente por causar um excesso de claridade, ao invés de uma larga escuridão. Moore, preocupada com todos os detalhes do jantar, divaga sobre a origem etimológica do nome da doença, algo como agnosticismo, falta de fé. O doutor responde com um sorriso de desdém, o mesmo que ofereceu por não saber distinguir o tiramisu do jantar de uma torta. Parece estar aí a chave do filme: Moore, entregue ao máximo em todas as suas atividades, é um exemplo de diligência e esperança (por isso a única a enxergar em uma terra de cegos), enquanto seu marido e os outros tratam as pessoas sempre do andar de cima, com um olhar técnico e pragmático, incapaz de enxergar o que está muito claro, não o que está escondido na escuridão. (Parágrafo soprado por Ana Flávia, assim que saímos do cinema, enquanto eu ainda tentava voltar a racionalizar.)

Guiados pela apresentação inicial do problema, percebemos que o recado já estava dado, só era necessário expô-lo. E com que maestria o filme o fez. Assistimos a outras cenas delicadas e carregadas de simbolismos, como a da chuva purificadora das sujeiras do corpo e da alma; a apresentação dos internos pelos seus empregos, expondo a impessoalidade e os valores da sociedade; a troca de jóias por comida, em uma ambiente em que os objetos de valor de nada adiantavam, uma metáfora clara para as relações pessoais diárias; a brutalidade do estupro e da luxúria; o isolamento dos doentes; o controle fictício de um grupo pela representação, como a guarita vazia que aterrorizava os internos. Sem contar os valores visuais, como o farol que vira luz inebriante, o olho-mágico que se transforma em aparelho oftalmológico, os reflexos ofuscantes e as imagens turvas.

Como Meirelles, não devemos cair no simplismo de explicar uma idéia complexa por pensamentos superficiais. Não está claro que o tema da obra seja a reação humana nas situações-limite, ao analisarmos os infectados pela “doença branca” durante a estadia no antigo hospício. Parece-me que Saramago vai além, o vilão de Gael García Bernal explica melhor do que qualquer um a idéia mais ampla - ao escutar o médico questionar a atitude mesquinha de um cego natural que se encontrava confinado, pelo fato de este ser cego e já ter sofrido por isso, ele responde: “O fato de ele ser cego não faz diferença, existem cegos bons e maus, assim como gente comum boa e mau”. Bingo! Saramago faz do ser humano o sujeito e objeto de sua obra. Os conflitos existenciais precisam ser expostos, a dinâmica da sociedade precisa ser analisada. Seja ela composta por aleijados, empresários ou comunistas. Seja ela repousada em amplas mansões ou cubículos exíguos. O velho cego filosofou sobre a causa da cegueira para sua companheira, ao dizer que não precisava conhecer sua aparência, pois já tinha tido acesso à sua parte que não tem nome. Saramago promove uma viagem em braille pelos caminhos sinuosos da alma humana.




Sex, 5 Set 2008 16:18:28

EDMUNDO É O CARA!


Edmundo é, sem dúvida, um dos personagens mais controversos da história não só do futebol, mas do esporte brasileiro (não é a mesma coisa?). Por onde ele passa, nada fica de pé. O rei de São Januário, templo do Vasco da Gama, tem em seu séquito pessoas que pretendem matá-lo, algumas que morreriam por ele, e outras que possuem dentro de si estes dois sentimentos, intermitentes, alternando-se como o humor do Animal. Tudo isso por causa de uma característica admirável: fala o que tem de ser dito. Ele não se omite nos momentos de decisão, entrega-se à sua profissão de forma transcendental, como um esfomeado a um prato de comida. Em seus momentos de explosão, devora adversários, companheiros, jornalistas e até mesmo a bola, o que sempre trouxe problemas para a construção de sua imagem de ídolo, no que tange aos idiotas da objetividade.

Uma de suas características nunca foi discutida – no melhor de sua forma, sempre foi um craque. Apareceu ainda menino no Vasco, já com sua personalidade forte na ativa, decidindo partidas. De lá, foi para o Palmeiras, onde ganhou o Brasileiro e o Paulista, além do apelido de Animal, o “foda” da época. Neste ponto da vida, ele já firmava laços profundos com estes dois clubes, que passaram a ser seus pontos de referência na carreira. Por causa de Vasco e Palmeiras, principalmente o Vasco, Edmundo já arrumou briga, voltou de Florença e até a jogar bola. Quem não se lembra das voadoras em jogadores rivais, litígios com dirigentes, marcas de sangue na camisa e prantos copiosos de amor a estes clubes? Mas, em um mundo em que os jogadores-robôs se espalharam e tomaram conta, seu modo de agir mais espontâneo, irreverente, às vezes doido, às vezes compromissado sempre foi analisado de forma seletiva.

A imprensa paulista, a mais bairrista e influente do país, nunca foi com a cara de Edmundo, tratando-o com o desdém dispensado a um suburbano carioca qualquer. É claro que o comportamento intempestivo de Edmundo faz dele um ser humano complicado, difícil de se relacionar. Já cometeu pecados como chutar um câmera ou cuspir em um colega, mas não foram estas atitudes que o fizeram ser sempre lembrado pela torcida e respeitado pelos companheiros. Ao mesmo tempo em que endeusa os rompantes de sentimentalismo de Marcos, as análises frias e letárgicas de Rogério Ceni e Alex, qualquer coisa que saia da mesmice, a imprensa condena o “pobre porra-louca” de São Gonçalo. Personalidade é legal só quando convém, só quando encontrada nos escolhidos, para o resto não passa de idiotismo ou arrogância. Quando Ceni declara amor ao São Paulo ou critica o time está apenas demonstrando seu louvável lado emocional e seu senso de profissionalismo, mas ai de Edmundo se ele disser algo contra o lateral-direito ou raspar a cabeça depois de perder um pênalti decisivo. O que parece ferir mesmo a mídia é o fato de o Animal não estar nem aí para isso. Ele não se deixa tolher e está sempre aberto para declarações de arrepiar, como a contida neste vídeo, proferida ontem, após a derrota do Vasco para o Cruzeiro, no Rio:









Não é este comprometimento que estamos cobrando dos jogadores da Seleção? Não seria legal se, a cada derrota, os futebolistas mostrassem as dores e agonias pelas quais os torcedores passam no estádio? Abaixo a hipocrisia! Quem poderia imaginar que o Animal iria ensinar a ser gente...







Sex, 28 Aug 2008 17:20:28

PULGA ATRÁS DA ORELHA



No transcorrer da história, não foram poucos os reis que perderam seus impérios e suas riquezas por seguirem as lições dos oráculos de plantão, empregados como conselheiros ou vistos mesmo como magos e profetas. Essas criaturas parecem ter chegado ao século XXI como empresários e agentes dos jogadores de futebol. Pior, não dão seus pitacos por fidelidade ou apreço ao cargo, mas estão diretamente envolvidas nos dividendos de cada decisão tomada, várias vezes constringindo seus atletas a aceitarem suas propostas e ficando com a maior parte dos lucros.

A lei Pelé os libertou das correntes que os amarravam à função de apenas orientar e intermediar os contatos com os jogadores, já que passaram a não ter mais a sombra dos direitos antes resguardados dos clubes à frente, que obrigavam qualquer investidor a indenizar o time de seu atleta pretendido, mesmo que este estivesse sem contrato. Hoje, com a referida lei dando as cartas, qualquer jogador está livre para fazer o que quiser assim que seu contrato termine, tornando-se praticamente um funcionário de seu empresário, já que depende ainda mais de suas ligações com os clubes para estar empregado. Outro fenômeno passou a ocorrer: como não existe mais o passe, a antiga ligação do time com o jogador, a expressão “direitos federativos” foi criada, representando agora o contrato que une o atleta ao seu “dono”, que pode ser um clube, uma empresa ou... Um agente.

Essa balbúrdia faz com que os empresários sejam no cenário atual os super-homens do futebol. Estão por trás e por dentro de tudo, nem mesmo temendo a criptonita que lhes cabe – a vontade dos jogadores. Por isso já é comum vermos futebolistas de extremo talento, conhecidos em todo o mundo, assim como aspirantes ao estrelato tomarem atitudes à primeira vista incompreensíveis. É o caso de Ronaldo Fenômeno, Robinho e Kerlon.

Ronaldinho era comparado a Pelé em Barcelona, depois de fazer chover em uma temporada por uma das maiores equipes do mundo. Aconselhado por seus agentes Reinaldo Pitta e Alexandre Martins, dupla que inclusive já esteve em cana (vide foto acima), arranjou um litígio com o Barça e impôs sua venda à Internazionale, negócio que lhe rendeu 15% dos 32 milhões de dólares pagos, devidamente descontados pelas porcentagens devidas aos seus empresários. Já na Inter, machucou seriamente o joelho e fez todo o seu tratamento por lá, com seu clube arcando com todas as despesas médicas e todo o seu salário. Logo após a Copa de 2006, seduzido pelo glamour do Real Madrid, pelos 45 milhões de euros oferecidos por ele, e pelos conselhos de Pitta e Martins, arranjou nova briga, desta feita escolhendo o treinador argentino Cúper para o pato, e saiu, acusado de tradittore, para o clube merengue. Novamente os bolsos de Ronaldo foram aliviados para pagar a parte que cabia aos seus agentes. Ronaldo vive hoje dias de um astro decadente, correndo risco de encerrar a carreira sendo mais um craque que não se tornou ídolo de nenhum clube.

Kerlon, ainda uma promessa, de vidro, como diriam alguns, motivados por suas lesões, é mais um exemplo deste perigo que ronda os atletas. Ao sofrer uma contusão grave, resolveu se tratar na Itália, onde seria assessorado mais de perto por seu empresário, o italiano Mino Raiola. Mino o convenceu a se indispor com a diretoria do Cruzeiro, ao rejeitar os serviços do clube, propondo que ele fizesse todo o processo de sua recuperação na Europa. Hoje, sem ambiente no clube celeste para Kerlon, Mino já tem até autorização para trazer uma oferta por ele, coisa que promete para breve. Quem negocia esta proposta e quem pressionará pela assinatura de Kerlon? Sim, Mino Raiola. Kerlon continua se tratando e seu futuro para o futebol é incerto, já que nunca conseguiu emplacar.

Robinho traz à tona o mais recente caso de uma carreira que pode tomar rumos perigosos pela falta de personalidade do jogador e pela interferência de seu empresário, sempre interessado na sua participação em cada transferência. Tudo começou quando mais uma vez o Real Madrid atravessou o caminho de um atleta a fim de contratá-lo, com sua política, digamos, peculiar de atrair seus jogadores. Sem se abalar pela pressão européia, o Santos recusou-se a vender Robinho, o que gerou sério descontentamento no atleta e no seu empresário, Vagner Ribeiro. O garoto da vila foi aconselhado, então, a fazer greve – não jogaria pelo Santos até que fosse vendido ao Madrid. Obviamente, o plano foi arquitetado por Ribeiro, que comemorou o sucesso da operação e o montante que lhe pertencia nos 30 milhões de dólares desembolsados pelo Real. Nestas últimas férias, a empreitada de Robinho e seu empresário vem sendo a de convencer o Real Madrid a vendê-lo ao Chelsea, de Felipão. Para isso já fizeram pressão na imprensa, negociaram à parte com o clube inglês e se reuniram com a diretoria do clube de Madrid. A essa hora, talvez, o negócio já tenha sido fechado.

A pergunta que fica é a seguinte: onde estarão Ronaldos, Robinhos e Kerlons de todo o mundo daqui a 20 anos, enquanto seus antigos empresários desfrutam do dinheiro pelos jogadores conquistados em seus iates e em jantares com novos talentos? Tudo indica que ainda terão grana, mas quem já teve vida de rei não esquece a majestade, mesmo que tenha que recuperar seu cetro em um travesti.


Sex, 21 Aug 2008 16:40:28

PAPAGAIOS DE PIRATA



Há até pouco tempo, sempre que um homem quisesse encerrar qualquer discussão com uma mulher, bastaria dizer: “Então me defina o que é o impedimento!”. Pronto, a gritaria parava e se via na cara da moça aquela expressão de quem está se perguntando em como chegar ao conceito fundamental da física quântica. Hoje, as crianças, as recatadas, as putas, os padres e as construções históricas de Ouro Preto têm na ponta da língua as respostas para as questões referentes às regras de futebol, como o pênalti, o jogo-perigoso e o recuo de bola. Os fans do e os profissionais do esporte, então, lidam com essas regras como os trocadores de ônibus lidam com pratinhas. O que chama a atenção é a importância relativa dada ao desrespeito a elas – em um primeiro momento, o erro gera uma celeuma; ao final da partida, ao menos que se somem muitas infrações validadas, o ato ilícito passa despercebido.

Basta um jogador cair na área para os narradores se esbaldarem, os comentaristas de arbitragem esquecerem de algumas de suas falhas memoráveis, quando ainda na ativa, para passarem um pito no juiz, sempre após o replay. Nós, telespectadores, sentimos que o dilúvio final se aproxima, ou que pelo menos o árbitro sairá no camburão. Mas nada como o tempo. Cinco minutos depois, a torcida e a imprensa já voltam a sua ira para os jogadores, técnicos e dirigentes. O carrinho por trás dentro da área é esquecido na primeira furada do atacante do seu time. Ao final da partida, tendo este perdido por 1 a 0, depois de um pênalti a favor não marcado e três impedimentos inexistentes anularem tentativas de gol claras, a culpa pelo fracasso, via de regra, vai para o “time que não esteve atento aos detalhes”, que “não soube suportar o maior volume de jogo do adversário”.

Conclusões que contrariam a lógica simples, capazes de fazer Descartes se remoer em seu túmulo. Partimos das seguintes premissas: 1) Meu time jogou mal, mas não tomou nenhum gol do adversário por meios legais; 2) Meu rival venceu pela diferença mínima, ainda que tenha falhado muitas oportunidades claras, apenas com um tento de mão. Logo, concluímos que apesar do meu time ter jogado mal, ele não merecia perder, mesmo com a pressão do inimigo, já que este não teve competência para definir a partida. Assistindo a TV, algum leigo estrangeiro poderia imaginar que o futebol é como o boxe, disputado por pontos. “Tivemos um gol legal anulado, mas, como tomamos duas bolas na trave, este gol foi devidamente invalidado, fomos penalizados em um ponto”. Nada me irrita mais ultimamente do que ouvir as pessoas repetirem asneiras como esta, acreditando apenas que os “deuses do futebol” fizeram justiça pelas próprias mãos. Os justos preferem referenciar quem teve mais posse de bola e chutou mais a gol, mesmo que isso não tenha levado a nada - igual ao Brasil nas Olimpíadas.


Sex, 20 Aug 2008 17:28:28

ENTRE MENINOS E LOBOS






O futebol, sempre em constante atualização e estudo, parece ter um prazer sádico em freqüentemente esfregar na cara do mundo as suas verdades eternas. Vira e mexe aparece alguém esperançoso com o novo jeito de jogar dos africanos, com o talento em mais pura forma de arte que dispensa a tática, com o preparo físico sobre-humano dos jogadores, com a camisa verde-marca-texto do Palmeiras. Mas eis que vem ele, com suas Tábuas da Lei próprias nas mãos, e começa a recitar a sua inexorável verdade, na sua linguagem: os jogos históricos.

Dunga, faz tempo, parece o menino irritadiço que acredita ter consigo a solução para todos os problemas, desafiando a lógica e a experiência dos decanos do esporte. Sem nunca ter treinado um time, assumiu a seleção brasileira e, com o ego inflado por um bom começo, inclusive com a conquista da Copa América, não se preocupou em evoluir nem em seguir os conselhos práticos e teóricos de outros treinadores. Demonstrando extrema arrogância, passava sermões na imprensa e nos colegas, como o lavrador que ensina o filho a arte das primeiras colheitas. Hoje, dia 19 de agosto, sua teimosia tomou uma rasteira da vida.

Brasil e Argentina entraram em campo, o que por si só já faz de um jogo especial, buscando uma das vagas à final olímpica. De um lado, os hermanos vinham com um time leve, tático e ofensivo; do outro, brasileiros espalhados pelo gramado, preocupados em marcar e com apenas um atacante isolado na frente. Mais uma vez Dunga apostava no seu currículo como jogador e nos erros do adversário. Incauto, acreditou que a sorte sempre estaria com ele. Obviamente não foi isso o que aconteceu. Enquanto Rafael Sóbis corria de um lado para o outro, cercado pelos quatro homens de defesa da Argentina, Messi, Riquelme e Agüero assustavam o time brasileiro, forçavam os jogadores da seleção a se resguardarem ao invés de criarem. Não foi raro vermos Anderson, que cresceu como meia-ofensivo no Grêmio, esbaforido atrás das pernas de Messi e perdido na defesa; Diego recuado para auxiliar Hernanes a fechar os espaços; Ronaldinho Gaúcho dependendo das passadas de Marcelo pela esquerda para jogar. Soberba em campo, a Argentina desceu para o intervalo com um injusto 0 a 0.

Iniciado o segundo tempo, e o panorama era o mesmo. A dupla de volantes Mascherano e Gago, auxiliada pelos laterais Monzon e Zabaleta, que pouco subiam, trancou a porta para as investidas brasileiras. A mesma dupla que, ao roubar a bola, puxava os contra-ataques, distribuindo o jogo para os ofensivos Di Maria, Riquelme, Messi e Agüero, um quarteto infernal, dono do jogo. Batista, o treinador argentino, parecia mostrar em um quadro-negro como armar um time, como se impor em campo, como quem tem medo de ganhar não tem chance contra quem não tem medo de perder. Dunga, ainda à espera de uma intervenção divina, contentava-se em trocar um atacante por outro (Sóbis por Pato) e um bom volante por um meia (Hernanes por Thiago Neves). Mas o time continuava apático, afastado e inoperante. As únicas esperanças eram jogadas individuais dos canhotos, Neves, Ronaldinho e Marcelo, que não vieram. E, para completar, os jogadores aparentavam ter incorporado outra característica de Dunga: não saber perder. Rafinha e Thiago Neves foram expulsos nos minutos finais.

Um baile argentino. Mais, um baile do futebol compromissado e ativo, que desfilou sobre a camisa amarela da presunção, com efeitos didáticos para os brasileiros. Dunga, com pouco mais de um jogo por mês dirigindo a seleção, não teve tempo e paciência para aprender com os erros, ao contrário de Adílson Batista, treinador do Cruzeiro, que claramente evoluiu durante o Brasileirão, abrindo mão de suas concepções ultrapassadas para uma filosofia de agressão ao adversário, única capaz de trazer efeitos em disputas de pontos corridos. Por isso, não devemos jogar Dunga aos tubarões, mas na seleção não dá mais. Alguém disposto a esperar pelo seu amadurecimento em seu time?


Sex, 16 Aug 2008 10:18:46

ESSES ENTENDEM DO RISCADO!





Há quase dois anos, às 6h30 da matina, eu já estava de banho tomado, dentes escovados, par de tênis calçados e pronto para a labuta. Quem me conhece sabe o quanto isso é difícil para mim; a cama me trata tão bem durante a noite, enquanto repouso, que levo quase como uma traição deixá-la largada, com travesseiros e cobertas espalhadas, assim de manhã cedo, antes mesmo do sol vir confortá-la. Uma boa desculpa para as almas noturnas. Mas qual era o motivo para esse sacrifício? Graças ao estágio no “Esportes Gerais”, da PUC TV, tinha hora marcada com Gustavo Borges, em uma academia aqui de BH.

O Brasil preparava-se para o Pan do Rio, e a natação era o principal foco de chances de medalhas para o país, o que veio a se confirmar na competição. Depois de começar o bate-papo com a trajetória e curiosidades da carreira de Gustavo Borges, perguntei qual o panorama da natação brasileira, em quem devíamos apostar no Pan e nos Jogos Olímpicos de Pequim. Os três nomes que ele citou, Tiago Pereira, Kaio Márcio e César Cielo, já eram esperados, mas a surpresa veio no complemento da resposta, quando ele disse que apostava suas fichas mesmo era em Cielo, apesar da badalação em cima de Tiago Pereira. Isso porque, na visão de Gustavo Borges, Cielo sempre demonstrou ser competitivo em um número menor de provas, mas com mais qualidade.

Cheguei em casa e comentei com alguns amigos e familiares que tinha sentido um tom meio bairrista nesta declaração do maior vencedor brasileiro de medalhas olímpicas da história, pois Cielo é uma cria do clube Pinheiros, de São Paulo, onde Gustavo Borges trabalhava na época. Mas, de fato, apesar das oito medalhas conquistadas no Pan, Tiago Pereira nunca apresentou um índice compatível com o pódio olímpico, enquanto César Cielo dava mostras do contrário, principalmente em provas rápidas.

Agora, em Pequim, o vaticínio de Gustavo Borges se confirmou. E bem na sua frente. Gustavo comentou pela Globo as duas provas em que Cielo foi medalhista, os 100 e os 50 metros livre. Na primeira, César Cielo largou na raia oito, o limbo da piscina, e, desacreditado, acabou levando o bronze, junto com o americano Lezak. Chorou. E prometeu o ouro na última prova, sua especialidade. Dito e feito. Com direito a recorde olímpico. E chorou novamente, dessa vez no alto do pódio, emocionando o público, que o aplaudiu de pé. Quem estava lá para um abraço? Claro, Gustavo Borges. Foi um dia de dupla realização para eles. Um atravessando a piscina em pouco mais de 20 segundos, sem respirar; o outro torcendo a poucos metros, com um coração que não parava de bater. Tomara que César Cielo ainda chore muito na sua vida, sinal de felicidade para o Brasil.


Sex, 15 Aug 2008 17:28:46

LIBERDADE, LIBERDADE





A dupla dinâmica, Protógenes e De Sanctis, não pára de aprontar. Pior do que a condução que fizeram da investigação da PF contra o bando de Dantas, desde o seu início até o inquérito final fantasioso e ideológico, é a justificativa que vêm apresentando para o público, com o objetivo de explicar os seus atos.

O delegado Protógenes, “farto de tudo isso aí”, e o juiz Fausto De Sanctis são hoje os artífices de uma velha/nova filosofia penal, que usa de todos os métodos aplicáveis para acabar com os problemas do país. O problema é quando os aparatos utilizados se chocam com os preceitos democráticos e com a lei. Mas eles não se importam, o importante é a ação e o confronto, mesmo a qualquer preço. Essa é a conclusão que se pode chegar lendo as declarações do par aos órgãos de imprensa. De Sanctis chegou ao cúmulo de dizer que não podemos usar leis e regras de países civilizados, pois o Brasil não o é. Protógenes comporta-se como um recalcado, que não pode perder a oportunidade para esculhambar com a classe dos “privilegiados do Brasil”, recorrendo ao autoritarismo e a espetacularizalção. É preciso impor a ordem, solapando o direito e as instituições, para acabar com os problemas da nação... Já vimos esse pensamento perigoso!

Adolf Hitler comandava o partido nazista com slogan parecido. Estava lendo o seu livro “Mein Kampf”, um volume autobiográfico, com o resumo de suas teorias, e a semelhança de alguns de seus pressupostos com as idéias divulgadas por Fausto De Sanctis e Protógenes Queiroz ficou clara. Segue um pequeno excerto, apenas como exemplo, em que Hitler critica a sociedade alemã por respeitar muito a ordem e a democracia, sendo assim incapaz de romper com essas forças para uma Alemanha melhor:

“Imagina-se, acaso, que o corpo de funcionários de qualquer outro país do mundo preteriria de maneira semelhante os desejos da nação ante a frase oca ‘autoridade do Estado’, como é corrente entre nós desde cinco anos, sendo até particularmente digno de elogios, quem assim procede? Não assumem os dois credos, hoje em dia, na questão judaica, uma atitude que não está em harmonia nem com os desejos da nação nem com os verdadeiros interesses da própria religião? (...) Isso acontece conosco toda vez que se trata de defender uma idéia abstrata. A ‘autoridade do Estado’, a ‘democracia’, o ‘pacifismo’, a ‘solidariedade internacional’ etc. são idéias que sempre convertemos em concepções fixas, puramente doutrinatárias, de sorte que todo julgamento sobre as necessidades vitais da nação é feito exclusivamente por esse critério.”

Antes que algum espírito-de-porco diga que estou afirmando que o juiz e o delegado federais estejam contra a solidariedade, o povo judeu ou a paz mundial, alerto que pretendo apenas demonstrar o pensamento por trás do trecho por mim escolhido, o do progresso por meio do que pensamos ser necessário, mesmo que contra a lei; o da prisão preventiva sem fundamentos para tal, desde que se prenda um malfeitor; o da invasão, pela PF, de terras de latifundiários em Raposa Serra do Sol, sem mandado judicial, contando que seja uma ação em favor dos índios. Aviso contra o pensamento dos bem- intencionados (aqueles mesmos dos quais o inferno está cheio), que usam de excesso de poder, da imposição, de senhas de acesso ao sigilo telefônico de todos os assinantes das empresas de telefonia no Brasil. O Big Brother Brasil 8 já começou.


Seg, 11 AUG 2008 00:15:16

FAZ SENTIDO




No dia 29 de junho de 1958, o Brasil era um país histérico com a conquista da Copa do Mundo de futebol, após bater a Suécia, por 5 a 2, em Estocolmo. Pelé, ainda um “garoto de cor”, apresentava-se à família real sueca como um igual, majestade da “pátria em chuteiras”,como diria Nelson Rodrigues. Em homenagem aos 50 anos dessa conquista, o Brasil realizou, no dia 26 de março de 2008, um amistoso contra a mesma Suécia, em Londres. Nossa seleção foi representada por um misto de jogadores com idade olímpica e outros mais experientes, com o objetivo de definir e preparar o time que competiria em Pequim.

No desembarque dos jogadores brasileiros na Inglaterra, a decepção tomou conta da maioria dos jornalistas presentes e do público. Nenhum dos atletas da seleção tinha o mais remoto conhecimento histórico do feito de 58, nem mesmo sabiam quais craques haviam participado daquela Copa. Indagados a respeito, alguns até se demonstraram irritados, pois, para eles, ninguém tinha obrigação de conhecer o currículo da seleção – bastava que entrassem em campo e cumprissem seus papéis. Não faltaram e-mails, cartas e telefonemas às redações, para reclamar da falta de compromisso da geração atual de jogadores com o passado vitorioso do futebol brasileiro. Mas, como de fato os jogadores não necessitam dominar a história para se mostrarem responsáveis e úteis à “amarelinha”, a discussão não foi para frente, morreu com a mesma rapidez com que nasceu.

O assunto estava sepultado até que, por um imbróglio entre o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) e o COI (Comitê Olímpico Internacional), pelo fato deste último proibir as federações de usarem seus escudos nas Olimpíadas, ficou-se definido que a seleção brasileira jogaria em Pequim apenas com o símbolo da empresa de material esportivo estampado na camisa, sem qualquer referência à bandeira nacional e à CBF (Confederação Brasileira de Futebol) ao seu lado. Assim, o uniforme brasileiro ficou descaracterizado, sem carregar consigo nem mesmo a aura das cinco estrelas bordadas no peito, referentes às cinco Copas conquistadas. Diferenças à parte, o que surpreendeu mesmo foi o inesperado interesse dos jogadores pelo fato, como o do meia Anderson, que resumiu assim o pensamento do grupo: “Isso é política, não é futebol. Os jogadores lutaram muito para conseguir colocar as cinco estrelas no peito. Fico triste com isso". O engraçado é que o próprio Anderson e alguns dos descontentes atletas também estavam no episódio ocorrido em Londres, em que as tradições da equipe canarinho eram mandadas às favas, escancarando um claro paradoxo. Mas, observando os penteados, jóias, roupas e celulares dos jogadores, temos a chave para compreender essa situação: os jogadores não ligam para o passado, desde que este não se intrometa em assuntos de estética.


Seg, 10 AUG 2008 09:45:16

AS HIENAS ESTÃO À SOLTA





Nada melhor do que o início dos Jogos Olímpicos de Pequim para relembrarmos algumas questões que vem atormentando o bom senso há algum tempo. Nas últimas Olimpíadas, em Atenas, existia um verdadeiro clamor mundial para que a China, enfim, conseguisse ultrapassar os Estados Unidos no quadro de medalhas da competição. Era o povo oprimido e comunista da China contra a águia imperialista americana. Não deixava de ser engraçado ver intelectuais e a malta torcendo para que um país fechado, com direitos civis, políticos e sociais restritos sobrepujasse uma potência que, com todos os seus defeitos, sempre foi marcada pela liberdade e cidadania.

Foi preciso que Pequim recebesse as atenções de todo o planeta sobre si, por organizar as Olimpíadas de 2008, para que percebêssemos de que país se tratava a China, com quem nós estávamos lidando. Um país responsável por uma dominação (antes de tudo cultural) no Tibet, uma nação que condena prisioneiros à pena de morte e que ainda manda a conta das balas às respectivas famílias, um Estado em que é comum vermos mulheres sendo espancadas pelos maridos (uma sociedade patriarcal ao extremo) em praça pública. Aí sim começaram os protestos contra as Olimpíadas, ONGs espalharam-se pelo mundo divulgando as mazelas dos chineses, grupos de direitos humanos organizaram-se para boicotar os Jogos Olímpicos da China. O encanto acabou-se. Entendemos que precisamos fiscalizar e aperfeiçoar os sistemas livres de desenvolvimento das potências, e não incentivar formas totalitárias de crescimento.

Impossível deixar de lembrarmos também de fatos extra-esportivos, como os movimentos terroristas espalhados pelo mundo. A sociedade brasileira, em polvorosa, assistiu com prazer às imagens das torres do WTC desabarem, após aviões seqüestrados por islâmicos colidirem com elas. A mesma sociedade que vê com olhos de piedade e compreensão os ataques terroristas de palestinos contra Israel. A mesma sociedade que assistiu com pezar a queda do Talibã (pois é proibido fazer guerra, mesmo que sem ela não haja paz, como diria Althusser). É sempre a mesma história, torcemos sempre por Davi contra Golias, mesmo que Davi tenha tomado anabolizantes e colocado veneno na água de Golias. É o pensamento politicamente correto de hoje em dia.


JORNALISMO – Alguma similaridade de tudo o que foi dito com o embate Globo X Record? Não é mera coincidência. A Globo, o grande satã brasileiro, vem sofrendo com as investidas da Record, a desafiante. A mesma Record que vive da exploração da fé alheia. A mesma Record que financia seus investimentos com o dízimo das almas por ela enganadas, em sua grande maioria, gente pobre. A mesma Record que teve o desplante de espelhar a programação da sua rival, copiando item por item. Mas o que se vê são pessoas empolgadas pelo “calor” que a Record vem dando na Globo, jornalistas comemorando o júbilo do novo milênio: a possível (não acredito) tomada de liderança na audiência da Record. Obviamente, como no caso dos EUA, não estou aqui dizendo que pela falta de concorrentes à altura devemos aceitar tudo e largar mão do olhar crítico. Os EUA e a Rede Globo já cometeram erros devidamente divulgados. Mas o resumo da ópera é sempre o mesmo - ou criamos formas capazes de rivalizar com os Titãs de maneira correta, bem estruturada, ou nos empenhamos em ajudar a fazer com que as maiores forças evoluam, seguindo as diretrizes mundialmente aceitas.


Seg, 07 AUG 2008 11:42:36

¿POR QUÉ NO TE CALLAS?





Certamente todos vocês já conhecem esta frase, que virou hit na internet e vendeu várias camisetas cômicas em todo o mundo. Hugo Chávez, em uma conferência no Chile, soltava suas costumeiras bravatas para cima do ex-primeiro-ministro espanhol José María Aznar, quando o atual ocupante do cargo, José Luis Zapatero, pediu a palavra para defender seu antecessor. É sabido que Chávez não gosta de diálogos e menos ainda de dividir as atenções; por isso, interrompia com frequência Zapatero, até que a paciência do rei de Espanha (como diriam na época das navegações), Juan Carlos, se esgotou. De chofre, ele se levantou da cadeira e bradou a pérola transcrita no título para Chávez. O presidente venezuelano se sentiu desmoralizado e ficou chateado, mas a lição ficou: sempre que uma corrente de asneiras for derramada, nada como um “¿Por qué no te callas?” para represá-la.

Pois bem, lembro este episódio porque Ingrid Betancourt, ex-candidata à presidência da Colômbia e que estava sob o domínio das Farc, está passando dos limites. Assim que foi libertada, por alívio e agradecimento, demonstou-se a favor da reeleição de Álvaro Uribe (atual predisente da Colômbia), classificou a ação do exército colombiano de espetacular e afirmou que os terroristas tinham apreço por Chávez. Bastou alguns dias em solo seguro e a agradável estadia em Paris para ela mudar repentinamente o tom de suas declarações.

Agora Uribe é apenas um astuto político que se aproveita da presença das Farc na Colômbia para atrair o eleitorado para si; o governo do presidente é taxado de extrema-direita e odioso; Lula, Correa, Chávez e Kirchner, que apenas fizeram negociata com o valor simbólico da refém Ingrid e em nada foram solidários ao governo colombiano para libertá-la, agindo à sua revelia, são importantes negociadores da paz na América do Sul; e, para completar, em solo francês e com uma demagogia de ex-candidata à presidência, Betancourt entrou até em assuntos futebolísticos, ao defender a cabeçada de Zidane em Materazzi, na final da Copa de 2006. Ressaltou, inclusive, que no lugar de Zizou teria ela também agredido o zagueiro italiano, uma afirmação um tanto quanto surpreendente para quem acabou de escapar de maus-tratos.

Ingrid ficou em cativeiro por seis anos, com movimentos e vontades controlados pelos narcoguerrilheiros. Hoje, livre, inclusive para se expressar, parece uma criança em um banquete repleto de doces de todos os tipos. Está confusa, volátil, parece perdida. Ora prefere brigadeiro, ora prefere cajuzinho. Falta algum assessor de confiança blindá-la, puxá-la pelo rabo da saia e dizer baixinho: “¿Por qué no te callas?”.


Seg, 06 AUG 2008 14:40:06

OS JOGADORES-COMPASSO





A adaptação a novos contextos talvez seja a característica comum de todo o planeta vivo. Charles Darwin, com sua teoria da evolução das espécies, mostrou por A + B que os seres humanos formam uma raça só - pretos, brancos e azuis apresentam apenas algumas propriedades diferentes por força do ambiente que os cerca (o que acaba com as teorias racialistas). Mas fiquem tranqüilos, não vamos discutir aqui biologia. Este preâmbulo é apenas para justificar a apresentação da mais evoluída criatura do futebol: o jogadorilis-compassabilis, mais conhecido como jogador-compasso.

Alguns chavões do futebol moderno formam o seu habitat natural. É criado em um futebol corrido, sem espaços, em que um jogador que dá três toques consecutivos na bola é rapidamente alcunhado de fominha. Precisa de muita força física, velocidade e passadas largas (responsáveis pelo seu nome, já imaginaram um compasso aberto?) para escapar dos predadores, mormente conhecidos como zagueiros e volantes. Ocupa todos os pontos do campo, seja para caçar, seja por instinto de preservação, compondo as linhas ofensivas e defensivas. Possui estocadas mortais, com visão invejável do alvo e garras que desferem golpes certeiros. É um tipo de atleta mais encontrado na Europa, principalmente na Inglaterra, pelos incentivos naturais da região (dinheiro) e por encontrar por lá um ambiente que valoriza seu estilo inato. Por fim, sua principal característica: a diligência para superar os obstáculos, com uma vontade inabalável de vitória.

Agora, já identificados com esta criatura, fica fácil para vocês repararem a sua volta os exemplos dela. Quem decidiu a Premier League? Cristiano Ronaldo. Quem é o fuoriclasse do Milan? Kaká. Quem fulminou a Alemanha na partida final da Eurocopa? Fernando Torres. Altos, esguios, fortes, rápidos e precisos, ou seja, jogadores-compasso, os novos reis do futebol (ou príncipes, pela tenra idade). Acuados, atacam; pressionados, marcam; livres, deslizam pelo gramado; em campo, decidem. Caso esbarre com algum deles em qualquer partida oficial, siga a tática bem-sucedida de Fabio Cannavaro para duelos contra o Ronaldinho: feche os olhos e comece a rezar!